A pedagogia não-linear pode ser definida como a aplicação de conceitos e ferramentas dinâmicas não lineares que suportam a prática docente (Chow, 2006). Ela advém dos conceitos da psicologia ecológica e da teoria dos sistemas dinâmicos e considera a aprendizagem como um processo não-linear, dinâmico e complexo, com mudanças abruptas e descontínuas, e não como um processo linear com uma relação de causa-efeito bem definida e proporcional. Nesse sentido, os alunos são compreendidos como sistemas neurobiológicos complexos com muitos componentes em interação, que transitam entre fases de estabilidade e instabilidade, por meio de processos de auto-organização influenciados por constrangimentos específicos (indivíduo, tarefa e ambiente).
Os constrangimentos são limitações ou características que moldam a emergência de comportamentos de um sistema (ex: aluno, uma equipe etc) e buscam um estado estável de organização. Eles exercem pressão no sistema para produzir uma resposta a uma direção específica e podem ser relacionados ao indivíduo (características físicas, psicológicas, emocionais etc), à tarefa (dimensões da quadra, número de jogadores, regras, objetivo da tarefa, equipamentos utilizados etc), e ao ambiente (ambiente físico e social). Por exemplo, quando crianças (indivíduos) jogam voleibol em uma quadra reduzida (tarefa) em um ginásio de uma escola na aula de educação física (ambiente), elas apresentam comportamentos motores emergentes resultantes da interação entre esses constrangimentos. Qualquer modificação em um deles (ex: aumentar a altura da rede) pode resultar na emergência de novos comportamentos motores dos alunos. Nesse sentido, a manipulação de constrangimentos é um dos princípios pedagógicos da pedagogia não linear que pode ser aplicado na prática. Cabe ao professor identificar os constrangimentos relevantes da prática e manipulá-los para guiar o processo de aprendizagem de acordo com os objetivos estipulados.
Outro princípio da pedagogia não linear que pode ser aplicado é o princípio da representatividade. Esse princípio advoga que o professor deve promover contextos práticos representativos que simulem o contexto de performance. Tarefas representativas possibilitam que os alunos percebam as fontes de informação que regulam suas ações em contextos de jogo, mantendo a acoplação informação-movimento, outro princípio pedagógico da pedagogia não linear. Isso significa que as informações do ambiente regulam as ações dos aluno, que por sua vez geram novas informações no ambiente, e assim por diante, caracterizando um ciclo constante de percepção-ação. Um exemplo prático relacionado a esses princípios é possibilitar em uma tarefa de levantamento que o levantador veja o passe sendo feito por um companheiro e perceba as informações relacionadas ao movimento executado pelo companheiro e à trajetória da bola para ajustar seus movimentos e realizar o levantamento, ao invés do professor apenas lançar a bola para ele executar a tarefa.
A variabilidade funcional, outro princípio pedagógico, pressupõe que os alunos explorem diferentes movimentos para solucionar um mesmo problema do jogo. A variabilidade geralmente é considerada um "ruído" no processo de aprendizagem que precisa ser eliminado por meio da prática e da repetição. Nesse sentido, busca-se um padrão ideal de movimento que deve ser executado fielmente para atingir a meta da tarefa. Contudo, um movimento nunca é igual a outro durante o jogo. Os jogadores estão constantemente adaptando seus movimentos às situações imprevisíveis do jogo. Por isso, a variabilidade é uma característica intrínseca de comportamentos adaptativos. A quantidade e o tipo de "ruído" presentes em um ambiente de aprendizagem devem ser cuidadosamente estruturados pelo professor. Em contextos de aprendizagem nos quais o "ruído" adicionado por um professor é branco (analogia do espectro das cores: a cor branca é composta por várias cores que contribuem igualmente para o espectro), os alunos são livres para explorar a multi-estabilidade do sistema e descobrir diferentes soluções motoras por conta própria. Exemplificando, uma tarefa de ataque versus bloqueio onde os alunos são livres para explorar diferentes tipos de ataque e marcações de bloqueio. Por outro lado, se o "ruído" adicionado for colorido, é implantado um processo de descoberta guiada, no qual os alunos são guiados pelo professor a buscarem soluções motoras em regiões específicas da meta-estabilidade (uma região de transição entre estados estáveis e instáveis de um sistema). Exemplificando, a mesma tarefa de ataque versus bloqueio citada anteriormente, porém agora o professor combina previamente a marcação do bloqueio com os alunos para que os atacantes explorem opções específicas de ataque.
E por fim, o princípio pedagógico do foco atencional pressupõe que os alunos devem ser estimulados a direcionar o foco de atenção para o resultado do movimento no ambiente (foco externo), possibilitando o desenvolvimento de soluções motoras apropriadas aos seus constrangimentos individuais.
Todos esses princípios pedagógicos fornecem novas hipóteses experimentais sobre os processos de instrução, prática e feedback. Em relação à instrução, o professor pode instruir sobre "o que fazer" na tarefa e deixar que os alunos explorem diferentes graus de liberdade de movimento para atingir a meta. Se ele optar por instruir sobre o "como fazer", ele pode demonstrar várias possibilidades de movimento, ao invés de demonstrar uma única solução. Em relação à prática, o professor deve desenhar tarefas representativas, que mantenham a acoplação informação-movimento para que os alunos desenvolvam mecanismos perceptivos, decisionais e de execução motora, além de incorporar a variabilidade funcional para que os alunos descubram diferentes soluções motoras para atingir a meta da tarefa. Em relação ao feedback, o professor pode fornecer conhecimento de resultado para que os alunos estabeleçam uma relação entre o movimento executado e o resultado desse movimento, além de direcionar o foco atencional dos alunos para as informações mais relevantes do ambiente.
REFERÊNCIAS
CHOW, J. Y.; DAVIDS, K.; BUTTON, C.; SHUTTLEWORTH, R.; RENSHAW, I.; ARAÚJO, D. Nonlinear pedagogy: A constraints-led framework to understand emergence of game play and skills. Nonlinear Dynamics, Psychology and Life Sciences, Pewaukee, v. 10, n.1, 71-104, 2006.