O ensino do voleibol, geralmente, é organizado com o intuito de desenvolver os chamados fundamentos técnicos (toque, manchete, saque, cortada etc). Poucas são as propostas de organização dos conteúdos que tem como referência os princípios táticos da modalidade. Dentre elas, Ginciene & Impolcetto (2019) propuseram uma base comum para o ensino dos esportes de rede/parede (voleibol, tênis, squash, etc) que parte da lógica interna comum a esse conjunto de esportes: enviar a bola à quadra adversária com o intuito de marcar o ponto, induzir o erro adversário ou pelo menos dificultar a devolução dela. Nessa proposta, o processo de aprendizagem inicia com jogos de lançar e agarrar, passa por jogos de golpear/volear a bola com as mãos até chegar aos jogos de rebater com implementos. Todos esses níveis podem ter estágios (com pingos ou sem pingos) e os jogos podem assumir um cárater cooperativo e/ou opositivo. Depois que os alunos compreendem a lógica de funcionamento dos jogos de rede/parede (base comum), passa-se ao ensino das particularidades de cada modalidade. Pensando mais especificamente no ensino do voleibol, uma progressão possível a partir dessa proposta seria começar pelos jogos de lançar e agarrar, sem pingos, depois jogos de agarrar e rebater, até chegar aos jogos de rebater com as mãos.
Como discutimos em um post anterior (clique aqui), os princípios operacionais (ou princípios táticos) dos esportes de rede/parede podem ser descritos em: manter o rally, marcar o ponto (ataque) e impedir o ponto (defesa). Nesse post, compartilharei com vocês uma proposta de ensino pautada nesses princípios.
Após os alunos dominarem algumas ações técnico-táticas que permitem a sustentação da bola no ar e a apreciação do jogo, passa-se ao ensino do princípio tático de ataque: marcar o ponto. O objetivo agora é enviar a bola para a quadra adversária com o intuito de marcar o ponto, induzir o erro adversário ou pelo menos dificultar a devolução da bola. Para isso, regras de ação como direcionar o saque, construir o ataque com os três toques e enviar a bola aos espaços vazios da quadra adversária podem ser trabalhadas. Para essa fase, jogos reduzidos com caráter de oposição podem ser utilizados, por exemplo, um jogo 2x2 ou 3x3 no qual só pode marcar ponto se a equipe realizar os três toques, a equipe que realizar os três toques ganha um ponto extra, o número de toques realizados pela equipe é o número de pontos que ela adquire se pontuar, um passe bom marca um ponto extra para a equipe, um levantamento bom marca outro ponto extra para a equipe, a equipe que conseguir colocar a bola direto no chão da quadra adversária sem que o adversário encoste nela marca dois pontos etc.
Em um próximo momento, pode-se passar ao ensino do princípio tático de defesa: impedir o ponto. Regras de ação como bloquear o ataque e defender o espaço podem ser desenvolvidas. O bloqueio pode ser defensivo (quando busca "amortecer" o ataque adversário) ou ofensivo (quando busca fazer com que a bola do ataque seja rebatida diretamente para o chão da quadra adversária). Já a defesa busca antecipar o ataque e ocupar os espaços da quadra para defender. Nessa fase, jogos nos quais são computados mais pontos para a equipe que está defendendo (bloqueios, defesas e/ou contra-ataques bem sucedidos) podem ser utilizados.
Vale ressaltar que os princípios táticos de ataque e defesa estão presentes em todas as etapas do processo. O que varia nessa proposta é a predominância de um princípio sobre outro nas diferentes fases de aprendizagem dentro de uma organização lógica. Isso significa, por exemplo, que o princípio tático de manter o rally, predominante na fase inicial do processo, está presente também nas outras fases e pode ser enfatizado dependendo do objetivo estipulado pelo professor/treinador para uma determinada turma em um determinado contexto. Também é importante esclarecer que o ensino da técnica não é negligenciado nessa proposta, mas sim, contextualizado com os princípios táticos. Os gestos técnicos emergem para resolver os problemas impostos pela dinâmica do jogo.
Espero que este post tenha contribuído para uma reflexão sobre a forma como organizamos o processo de ensino-aprendizagem do voleibol.
Até mais!
REFERÊNCIAS
GINCIENE, G.; IMPOLCETTO, F. M. Primeiras aproximações para uma proposta de ensino dos jogos de rede/parede: reflexões sobre o tênis de campo e o voleibol. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 27(2), p. 121-132, 2019.
MESQUITA, I. (1994): O ensino do voleibol - Proposta metodológica. In O ensino dos jogos desportivos: 153-199. A. Graça & J. Oliveira (Eds.). Centro de Estudos dos Jogos Desportivos. FCDEF-UP.