Certamente, outra pergunta frequente que os professores, treinadores e técnicos de voleibol se fazem quando iniciam a profissão é: o que ensinar?
Segundo Parejo González et al (2014), os professores tendem a escolher e priorizar certos tipos de conteúdo de acordo com suas experiências anteriores como atleta e/ou professor/treinador, nível de formação inicial, categoria esportiva que se trabalha, etc. Nesse sentido, a escolha dos conteúdos pode ser considerada um processo complexo e dinâmico que está em constante mudança. No contexto do voleibol, geralmente, os chamados fundamentos técnicos (toque, manchete, saque por baixo, saque por cima, cortada, bloqueio e defesa) são considerados os principais conteúdos de ensino. Nessa perspectiva, o ensino tem como premissa desenvolver essas habilidades para que o aluno possa jogar voleibol. Contudo, Garganta (1995), em seu estudo sobre o ensino dos jogos esportivos coletivos (JECs), têm sinalizado a necessidade de se aliar o ensino da tática (as razões de se fazer) com o da técnica (como fazer).
Pensar os conteúdos de ensino pressupõe conhecer a lógica do jogo que se ensina. Segunda Bayer ( 1994), a lógica do jogo emana da interação entre suas referências estruturais e funcionais. As referências estruturais estão relacionadas às características comuns ou invariantes dos jogos esportivos coletivos como o espaço, bola, alvos a se atacar e defender, companheiros, adversários e regras, enquanto que as referências funcionais, derivadas dos anteriores, estão relacionadas aos princípios operacionais (de ataque e defesa) e às regras de ação (formas e maneiras de agir nas diferentes modalidades esportivas para cumprir com os princípios operacionais). Os princípios operacionais elencados por Bayer para os JECs de invasão são: conservar a posse da bola, progredir com a bola em direção ao alvo adversário e atacar o alvo (ataque); recuperar a posse da bola, impedir a progressão da bola e do adversário e proteger o alvo (defesa).
O voleibol, diferentemente dos JECs de invasão, possui algumas particularidades relacionadas aos seus elementos estruturais e funcionais: o espaço é dividido por uma rede, o alvo é a própria quadra e as regras estabelecem um número limitado de contatos com a bola, além da impossibilidade de reter ela para si e de invadir a quadra adversária. Essas regras fazem com que os jogadores tenham que realizar contatos breves com a bola e construir as ações de jogo de forma alternada sem a interferência direta do adversário. Nesse sentido, os seus princípios operacionais (ou princípios táticos) podem ser descritos em:
- manter o rally (princípio básico)
- marcar o ponto (ataque)
- impedir o ponto (defesa).
A partir desses princípios, nós podemos pensar em regras de ação específicas do voleibol como: colocar a bola em jogo (saque), construir o ataque com os três toques (recepção/defesa, levantamento e ataque), bloquear o ataque, defender o espaço etc. Pensar os conteúdos de aprendizagem a partir das referências estruturais e funcionais dos JECs possibilita a superação da concepção tradicional de ensino pautada apenas no gesto técnico. Nesse sentido, Daolio (2002) propõe um modelo pendular, no qual o processo de aprendizagem deve iniciar pelos princípios operacionais comuns aos JECs, passar pelas regras de ação da modalidade esportiva, até chegar ao desenvolvimento dos gestos técnicos específicos. Em um processo de ensino do voleibol pode-se começar pelo ensino dos princípios operacionais, avançar para as regras de ação da modalidade (saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio, defesa e contra ataque) até chegar ao ensino dos gestos técnicos específicos (toque, manchete, saque por baixo, cortada etc).
Outro detalhe importante sobre essa questão é a necessidade de se considerar as outras dimensões dos conteúdos no processo de ensino (BARROSO & DARIDO, 2010). A Educação Física, pelo seu histórico, tem privilegiado a dimensão procedimental do conteúdo (o que fazer), deixando de lado as dimensões conceitual (o que saber) e atitudinal (como ser). Um exemplo disso é a excessiva preocupação com o ensino de aspectos técnico-táticos do voleibol (habilidades técnicas, táticas, estratégias, sistemas de jogo, etc) e a negligência para com os aspectos atitudinais (princípios, comportamentos, valores, fair play etc) e conceituais (conhecimentos sobre a modalidade, curiosidades, relações com a mídia, cultura esportiva etc). Por isso, é necessário avançar no processo de superação da concepção tradicional de ensino e dar mais visibilidade a essas outras dimensões, contribuindo para um formação esportiva mais humana e completa.
Até uma próxima!
REFERÊNCIAS
BARROSO, André Luís Rugiero. DARIDO, Suraya Cristina. Voleibol escolar: uma proposta de ensino nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 24, 179-194, 2010.
BAYER, C. O ensino dos desportos colectivos. Dinalivro, Lisboa, 1994.
GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In: A. Graça & J. Oliveira (Eds.). O ensino dos jogos desportivos. 2ed. Porto, Universidade do Porto, 1995.
PAREJO GONZÁLEZ, I. et al. Análisis de las diferencias en la priorización de contenidos de entrenamiento en baloncesto formativo en función de las características del entrenador. Un estudio de casos. Revista Española de Educación Física y Deportes, 407, 21-35, 2014.
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