sexta-feira, 19 de março de 2021

Teaching Games for Understanding e Voleibol

O Teaching Games for Understanding (TGFU) ou "ensinando jogos para a compreensão" é um modelo de ensino proposto por Bunker & Thorpe (1982) que surgiu como uma alternativa ao modelo tradicional de ensino do esportes. Esse modelo propõe a inversão da ordem de ensino, colocando a aprendizagem da tática no centro do processo e fazendo com que o aluno compreenda primeiro "o que" e "quando" fazer para depois desenvolver o "como fazer". O aluno compreende primeiro a lógica do jogo e os problemas táticos para depois melhorar as habilidades necessárias para resolvê-los.

O modelo do TGFU possui quatro princípios pedagógicos, são eles: a seleção do tipo de jogo, a modificação por representação, a modificação por exagero e o ajustamento da complexidade tática. O primeiro princípio pedagógico - seleção do tipo de jogo - preconiza a seleção de jogos que ofereçam diversos problemas táticos para que os alunos identifiquem as similaridades e diferenças entre os diferentes jogos. O segundo princípio - modificação por representação - pressupõe a manipulação da complexidade do jogo por meio da alteração dos seus elementos estruturais (regras, dimensão da quadra, número de jogadores, altura da rede, materiais, etc) a fim de torná-lo mais simples, sem alterar suas estruturas táticas (elementos funcionais). O terceiro princípio - modificação por exagero - consiste em modificar os elementos funcionais do jogo para evidenciar ou enfatizar determinado problema tático. E por fim, o quarto princípio pedagógico - ajustamento da complexidade tática - propõe que a complexidade tática dos jogos deve ser ajustada às características e potencialidades dos alunos.

O ciclo do modelo pressupõe a passagem por seis fases: forma de jogo, apreciação do jogo, conscientização tática, tomada de decisão, execução motora e desempenho. De forma resumida, o professor escolhe e propõe o jogo de acordo com os objetivos pré-estabelecidos (forma de jogo); os alunos praticam o jogo e identificam suas regras, objetivos, características etc (apreciação do jogo); o professor realiza questionamentos aos alunos para que eles tomem consciência e reflitam sobre os problemas táticos do jogo (conscientização tática); os alunos, juntamente com o professor, tomam decisões apropriadas sobre "o que" e "como fazer" no jogo (tomada de decisão); os alunos voltam ao jogo e tentam colocar em prática o que foi decidido e discutido nas fases anteriores. Se necessário, podem ser realizadas tarefas para desenvolver as habilidades necessárias para solucionar os problemas do jogo (execução motora); e por fim, os alunos avaliam e melhoram o seu desempenho em uma situação real de jogo, mostrando-se aptos para iniciar um novo ciclo de aprendizagem (desempenho).

O papel do professor neste modelo é ser um mediador e facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, suas ações se resumem a escolher e propor a forma de jogo, observar os alunos no jogo, investigar junto com os alunos os problemas táticos e as possíveis soluções, observar novamente o jogo e intervir para ensinar e melhorar as habilidades necessárias ao jogo. Junto com essas ações, estratégias de ensino não diretivas como o questionamento e o incentivo à reflexão são importantes para a eficácia do modelo. Contudo, estilos de ensino mais diretivos podem ser usados em algumas fases, por exemplo, na fase da execução motora, quando for necessário ensinar uma habilidade, ou até mesmo na fase da tomada de decisão, quando os alunos tiverem dificuldade em encontrar formas apropriadas de soluções dos problemas no jogo.

Imaginemos, hipoteticamente, que um professor de educação fisica de uma escola optou por ensinar o voleibol para alunos do 5º ano (10 a 11 anos) por meio do TGFU. Em uma primeira avaliação, ele identificou que os alunos não compreendem como funciona o jogo de voleibol. Nesse sentido, o objetivo de apendizagem que ele estipulou para a primeira aula é compreender a lógica do jogo de voleibol. Abaixo segue um exemplo de planejamento que pode ser feito para essa aula baseado neste modelo de ensino.

                                               

PLANO DE AULA


Jogo inicial:

    - Relação numérica: 2x2

    - Objetivo: marcar/impedir o ponto.

    - Espaço: quadra reduzida (3,5m x 3,5m) - altura da rede (1,80m - 2m)

    - Regras: iniciar o jogo lançando a bola com as duas mãos; é permitido segurar a bola e lançar ela para a quadra adversária apenas com as duas mãos acima da cabeça (toque); é necessário realizar no mínimo dois toques na bola por equipe antes de enviar para a quadra adversaria.

Questionamentos:

        - O que é preciso fazer para marcar o ponto? E para impedir o ponto?

        - Como podemos enviar a bola para a quadra adversária?

Exercícios para o desenvolvimento das habilidades:

       Toque por cima: individualmente, lançar a bola para cima, entrar embaixo dela e segurar ela acima da cabeça com as duas mãos na posição do toque. Variações: após segurar a bola, estender os braços três vezes equilibrando a bola; depois lançando ela para cima três vezes; e por último, realizar três pequenos toques de controle.

Jogo final:

    - Relação numérica: 2x2

    - Objetivo: marcar/impedir o ponto.

    - Espaço: quadra reduzida (3,5m x 3,5m) - altura da rede (1,80m - 2m)

    - Regras: iniciar o jogo enviando a bola de toque; é permitido segurar a primeira bola apenas; só é permitido enviar a bola para quadra adversária realizando o toque por cima; é necessário realizar no mínimo dois toques na bola por equipe antes de enviar para a quadra adversária.


REFERÊNCIAS

Bunker, D., & Thorpe, R. (1982). A model for the teaching of games in the secondary school. Bulletin of Physical Education, 10, 9-16.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Método Situacional e Voleibol

O método situacional foi proposto por Greco (1998) e tem como principal objetivo o desenvolvimento de habilidades e capacidades dos jogadores em relação à compreensão tática do jogo e de aspectos relacionados à tomada de decisão. Ele surge como uma alternativa aos métodos tradicionais de ensino dos esportes, caracterizados por uma abordagem analítica, e propõe a utilização de situações extraídas do jogo que possibilitam o aprendizado de elementos relacionados à lógica do jogo e a integração dos componentes técnico-táticos. Na prática, as situações de jogo se materializam por meio das chamadas estruturas funcionais. A estrutura funcional de jogo consiste em um ou mais jogadores (1x0, 1x1, 1x1+1, 2x2, 3x3 etc), que realizam tarefas de ataque quando em posse de bola, e de defesa sem a posse de bola. As atividades são apresentadas considerando as características do jogo formal, porém com variações quanto ao número de participantes, espaço, tempo e regras, possibilitando a redução ou aumento da complexidade das tarefas. Por exemplo, no voleibol, uma tarefa de saque x passe + levantamento pode ser expressa pela estrutura funcional 1x1+1 ou 1x2+1, e assim por diante. 

A aplicação do método situacional pressupõe a passagem por fases ou etapas que permeiam o processo de ensino-aprendizagem, são elas: momento inicial ou linear, momento posicional, momento situacional, e ainda o jogo motriz, proposto por Ribas (2014). O momento inicial ou linear tem como característica a utilização de atividades com o objetivo de aquisição da técnica e desenvolvimento de elementos táticos básicos. Por exemplo, trocar passes altos de toque em duplas (1+1) para desenvolver a técnica do toque e elementos táticos básicos como a leitura da trajetória da bola e da posição do companheiro. Já o momento posicional tem como objetivo desenvolver a técnica orientada no espaço de jogo ( desenvolvimento de parâmetros como força, direção, precisão etc). Por exemplo, realizar um levantamento de toque de uma bola lançada pelo professor do fundo da quadra (1x0). Nesse momento, o aluno é colocado em uma situação concreta mais próxima do contexto de jogo, visto que ele deve orientar o corpo no espaço em direção à zona de ataque, aplicar a força necessária na bola e precisar o contato com ela para que ele obtenha êxito no levantamento. Já no momento situacional são utilizadas situações extraídas do jogo com o objetivo de desenvolver a leitura de jogo e a tomada de decisão. No mesmo exemplo da tarefa anterior do levantamento, ao invés do professor lançar a bola para o levantador, ele pode colocar um aluno para sacar e outro para receber (1x1+1), com isso o levantador precisa ler o saque adversário e o passe do companheiro para ajustar sua ação de levantamento. E por fim, o jogo motriz tem como característica a utilização de jogos modificados com um sistema de pontuação com o objetivo de desenvolver a leitura de jogo, a tomada de decisão e processos ativos (psicológicos, emocionais, físicos etc) em contexto de jogo. Por exemplo, um jogo (2x2, 3x3, 4x4, 6x6) no qual um levantamento bom confere 2 pontos a equipe se ela pontuar no rally. De forma resumida, a estruturação das atividades é progressiva, partindo de situações mais lineares, passando por situações posicionais até chegar a aplicação em situações de jogo. Nesse sentido, recomenda-se que os momentos linear e posicional ocupem um menor tempo no processo em relação aos momentos situacional e jogo motriz para que ocorra a integração dos componentes técnico-táticos.

O método situacional possibilita que os alunos sejam confrontados com situações de jogo em forma de estruturas funcionais, que promovem a solução de problemas, a continuidade das ações de jogo, o aprendizado tático, a interrelação técnico-tática e a transferência dos conhecimentos do treino para o jogo (LANES et al, 2020). 

REFERÊNCIAS

GRECO, Pablo Juan. Iniciação esportiva universal: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube. Belo Horizonte, MG: UFMG, 1998.

LANES, B. M., OLIVEIRA, R. V. de, RIBAS, J. M. Método Situacional: elementos conceituais para o processo de ensino-aprendizagem-treinamento dos esportes coletivos. Corpoconsciência, Cuiabá-MT, vol. 24, n. 3, p. 12-25, set./ dez., 2020 ISSN 1517-6096 – ISSNe 2178-5945

RIBAS, João Francisco Magno. Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí, RS: Unijuí, 2014.

domingo, 10 de janeiro de 2021

Pedagogia Não Linear e Voleibol

A pedagogia não-linear pode ser definida como a aplicação de conceitos e ferramentas dinâmicas não lineares que suportam a prática docente (Chow, 2006). Ela advém dos conceitos da psicologia ecológica e da teoria dos sistemas dinâmicos e considera a aprendizagem como um processo não-linear, dinâmico e complexo, com mudanças abruptas e descontínuas, e não como um processo linear com uma relação de causa-efeito bem definida e proporcional. Nesse sentido, os alunos são compreendidos como sistemas neurobiológicos complexos com muitos componentes em interação, que transitam entre fases de estabilidade e instabilidade, por meio de processos de auto-organização influenciados por constrangimentos específicos (indivíduo, tarefa e ambiente).

Os constrangimentos são limitações ou características que moldam a emergência de comportamentos de um sistema (ex: aluno, uma equipe etc) e buscam um estado estável de organização. Eles exercem pressão no sistema para produzir uma resposta a uma direção específica e podem ser relacionados ao indivíduo (características físicas, psicológicas, emocionais etc), à tarefa (dimensões da quadra, número de jogadores, regras, objetivo da tarefa, equipamentos utilizados etc), e ao ambiente (ambiente físico e social). Por exemplo, quando crianças (indivíduos) jogam voleibol em uma quadra reduzida (tarefa) em um ginásio de uma escola na aula de educação física (ambiente), elas apresentam comportamentos motores emergentes resultantes da interação entre esses constrangimentos. Qualquer modificação em um deles (ex: aumentar a altura da rede) pode resultar na emergência de novos comportamentos motores dos alunos. Nesse sentido, a manipulação de constrangimentos é um dos princípios pedagógicos da pedagogia não linear que pode ser aplicado na prática. Cabe ao professor identificar os constrangimentos relevantes da prática e manipulá-los para guiar o processo de aprendizagem de acordo com os objetivos estipulados.

Outro princípio da pedagogia não linear que pode ser aplicado é o princípio da representatividade. Esse princípio advoga que o professor deve promover contextos práticos representativos que simulem o contexto de performance. Tarefas representativas possibilitam que os alunos percebam as fontes de informação que regulam suas ações em contextos de jogo, mantendo a acoplação informação-movimento, outro princípio pedagógico da pedagogia não linear. Isso significa que as informações do ambiente regulam as ações dos aluno, que por sua vez geram novas informações no ambiente, e assim por diante, caracterizando um ciclo constante de percepção-ação. Um exemplo prático relacionado a esses princípios é possibilitar em uma tarefa de levantamento que o levantador veja o passe sendo feito por um companheiro e perceba as informações relacionadas ao movimento executado pelo companheiro e à trajetória da bola para ajustar seus movimentos e realizar o levantamento, ao invés do professor apenas lançar a bola para ele executar a tarefa. 

A variabilidade funcional, outro princípio pedagógico, pressupõe que os alunos explorem diferentes movimentos para solucionar um mesmo problema do jogo. A variabilidade geralmente é considerada um "ruído" no processo de aprendizagem que precisa ser eliminado por meio da prática e da repetição. Nesse sentido, busca-se um padrão ideal de movimento que deve ser executado fielmente para atingir a meta da tarefa. Contudo, um movimento nunca é igual a outro durante o jogo. Os jogadores estão constantemente adaptando seus movimentos às situações imprevisíveis do jogo. Por isso, a variabilidade é uma característica intrínseca de comportamentos adaptativos. A quantidade e o tipo de "ruído" presentes em um ambiente de aprendizagem devem ser cuidadosamente estruturados pelo professor. Em contextos de aprendizagem nos quais o "ruído" adicionado por um professor é branco (analogia do espectro das cores: a cor branca é composta por várias cores que contribuem igualmente para o espectro), os alunos são livres para explorar a multi-estabilidade do sistema e descobrir diferentes soluções motoras por conta própria. Exemplificando, uma tarefa de ataque versus bloqueio onde os alunos são livres para explorar diferentes tipos de ataque e marcações de bloqueioPor outro lado, se o "ruído" adicionado for colorido, é implantado um processo de descoberta guiada, no qual os alunos são guiados pelo professor a buscarem soluções motoras em regiões específicas da meta-estabilidade (uma região de transição entre estados estáveis e instáveis de um sistema)Exemplificando, a mesma tarefa de ataque versus bloqueio citada anteriormente, porém agora o professor combina previamente a marcação do bloqueio com os alunos para que os atacantes explorem opções específicas de ataque.

E por fim, o princípio pedagógico do foco atencional pressupõe que os alunos devem ser estimulados a direcionar o foco de atenção para o resultado do movimento no ambiente (foco externo), possibilitando o desenvolvimento de soluções motoras apropriadas aos seus constrangimentos individuais.

Todos esses princípios pedagógicos fornecem novas hipóteses experimentais sobre os processos de instrução, prática e feedback. Em relação à instrução, o professor pode instruir sobre "o que fazer" na tarefa e deixar que os alunos explorem diferentes graus de liberdade de movimento para atingir a meta. Se ele optar por instruir sobre o "como fazer", ele pode demonstrar várias possibilidades de movimento, ao invés de demonstrar uma única solução. Em relação à prática, o professor deve desenhar tarefas representativas, que mantenham a acoplação informação-movimento para que os alunos desenvolvam mecanismos perceptivos, decisionais e de execução motora, além de incorporar a variabilidade funcional para que os alunos descubram diferentes soluções motoras para atingir a meta da tarefa. Em relação ao feedback, o professor pode fornecer conhecimento de resultado para que os alunos estabeleçam uma relação entre o movimento executado e o resultado desse movimento, além de direcionar o foco atencional dos alunos para as informações mais relevantes do ambiente. 

REFERÊNCIAS

CHOW, J. Y.; DAVIDS, K.; BUTTON, C.; SHUTTLEWORTH, R.; RENSHAW, I.; ARAÚJO, D. Nonlinear pedagogy: A constraints-led framework to understand emergence of game play and skills. Nonlinear Dynamics, Psychology and Life Sciences, Pewaukee, v. 10, n.1, 71-104, 2006.