domingo, 25 de outubro de 2020

Aprendizagem motora: organização da prática

Certamente, um dos fatores mais importantes em aprendizagem motora é a prática. É por meio dela que os alunos adquirem habilidades motoras e melhoram suas capacidades de jogo. O principal interesse dos pesquisadores nessa temática tem sido investigar as diferentes formas de organizar a prática - fragmentação, espaçamento e variabilidade - e suas combinações em situações de ensino e treinamento (UGRINOWITSCH & BENDA, 2011).

Em relação à fragmentação da prática, uma habilidade motora pode ser realizada pelas partes e/ou pelo todo. A prática por partes consiste em separar os componentes de uma habilidade e praticá-las separadamente. Por exemplo, na cortada, praticar primeiro a passada de ataque, depois o movimento dos braços (chamada), depois o salto e o movimento dos braços/encaixe na bola. Já a prática pelo todo consiste em praticar a habilidade por inteiro. Antes de optar por uma ou outra forma de fragmentação da prática, faz-se necessário verificar a complexidade e a organização da habilidade motora. A complexidade está relacionada ao número de componentes de uma habilidade. Já a organização está relacionada à interação entre esses componentes. A prática pelas partes parece favorecer a aprendizagem de habilidades motoras com alta complexidade e baixa organização, visto que o problema é dominar os muitos componentes da habilidade, enquanto que a prática pelo todo favorece a aprendizagem de habilidades motoras com baixa complexidade e alta organização, pois o problema na execução dessas habilidades é a interação entre os componentes. 

As formas de fragmentação da prática devem ser compreendidas como extremidades opostas em um continuum, no qual existe uma diversidade de formas de se praticar determinada habilidade. As habilidades motoras que se encontram no meio desse continuum se beneficiam de práticas mistas (segmentação, combinação, adição, simplificação), como é o caso da maioria das habilidades do voleibol (habilidades complexas e seriadas). A segmentação consiste em praticar componentes da habilidade de forma segmentada (ex: movimento do braço/encaixe na bola, passada de ataque etc). A combinação consiste em combinar dois ou mais componentes da habilidade (ex: passada de ataque e salto; salto e movimento dos braços/encaixe na bola). A adição consiste em adicionar os componentes da habilidade progressivamente (ex: primeiro praticar a passada de ataque (A), depois a passada com os movimentos do braço (A+B), depois a passada de ataque, o movimento dos braços e o salto (A+B+C), e assim por diante até executar a habilidade completa. Já a simplificação consiste em utilizar recursos que facilitem a execução da habilidade, por exemplo, o uso de bolas mais leves que permanecem mais tempo no ar, segurar a bola perto e acima da rede para o aluno realizar a cortada etc. 

Sobre o espaçamento da prática, nós podemos realizar ela de forma maciça, quando o intervalo de pausa entre uma tentativa e outra é menor em relação ao tempo de prática, ou de forma distribuída, quando o intervalo de pausa entre uma tentativa e outra é maior em relação ao tempo de prática. A prática maciça parece não contribuir muito para a aprendizagem, pois o esforço cognitivo é pequeno. Durante esse tipo de prática o aluno não tem tempo de processar as informações e reelaborar a resposta entre as tentativas. Já na prática distribuída ocorre o inverso, a maior pausa entre as tentativas favorece à perda das informações e gera a necessidade de um maior resgate e processamento delas para reelaborar a resposta. Em outras palavras, o esforço cognitivo na prática distribuída é maior comparado ao da prática maciça. Uma forma de controlar o espaçamento da prática é escolher o tipo de participação dos alunos nas tarefas. A participação consecutiva (em forma de rodízio, por exemplo) e alternada (grupos) pode contribuir para uma prática distribuída. Já a participação simultânea e repetitiva (todos realizam a tarefa ao mesmo tempo) pode contribuir para uma prática mais maciça.

Em relação à variabilidade, a prática pode ser organizada de forma constante e/ou aleatória. As variações podem ser tanto no programa motor generalizado (estrutura do movimento), por exemplo, realizar um saque por baixo e depois um saque por cima, quanto nos parâmetros do movimento, por exemplo, realizar um saque na paralela e depois um saque na diagonal. A prática constante consiste em executar uma única habilidade sem variação, tentativa por tentativa (AAA. Ex: realizar três saques na mesma posição). Já a prática aleatória consiste em executar uma ou mais habilidades e/ou variações, tentativa por tentativa (ABC. Ex: um saque, uma manchete e depois um toque, ou um saque na posição 1, depois na posição 5, depois na posição 6). A prática variada também pode ser em blocos (menor interferência contextual), quando ocorrem variações após um número determinado de tentativas (AAABBB); seriada, quando ocorrem variações em uma sequência pré-estabelecida (ABCABC); ou randômica (maior interferência contextual), quando ocorrem variações aleatórias de uma ou mais habilidades, tentativa por tentativa (ACBCAB). Quanto à ordem de prática, os estudos têm constatado que a prática constante seguida da aleatória parece ser mais favorável para a aprendizagem de habilidades motoras, pois na fase inicial de aprendizagem, a prática constante proporciona a padronização espaço-temporal do movimento, formando uma estrutura e gerando consistência na execução da habilidade, enquanto que a prática aleatória, posteriormente, proporciona a modificação dos parâmetros da habilidade motora, sendo responsável pela variabilidade na execução (adaptação).

Em contextos de ensino e treinamento, a prática se organiza por meio da combinação dos diferentes tipos de prática. Por exemplo, uma tarefa onde o aluno tem que realizar toques consecutivos em um alvo fixo na parede pode ser classificada como uma prática pelas partes, maciça e constante. Nesse sentido, o professor pode organizar a prática combinando os diferentes tipos de prática de acordo com os seus objetivos e intenções para uma determinada sessão de treino.

Até uma próxima!

REFERÊNCIAS

UGRINOWITSCH, Herbert; BENDA, Rodolfo Novellino. Contribuições da Aprendizagem Motora: a prática na intervenção em Educação Física. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.25-35, dez. 2011.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Aprendizagem motora e voleibol

A aprendizagem motora é um campo de investigação da área do comportamento motor que estuda os mecanismos e processos subjacentes à aquisição de habilidades motoras e os fatores que auxiliam esses processos. Os conhecimentos produzidos nesse campo fornecem subsídios aos treinadores esportivos para orientar ações e estimular novas ideias e hipóteses operacionais na intervenção profissional. 

Na área do comportamento motor, duas perspectivas teóricas têm se destacado: a teoria motora e a teoria da ação (TANI et al, 2010). A teoria motora tem se preocupado em investigar os processos de armazenamento e processamento de informações na memória em forma de representações centrais e abstratas de movimento. Do ponto de vista dessa teoria, o controle de movimentos e a aquisição de habilidades motoras ocorrem por meio da estruturação de representações internas de movimento no cérebro (sistema nervoso central) que geram mudanças relativamente permanentes nas capacidades de movimento de um indivíduo. Um movimento é resultado de mecanismos internos de identificação de estímulos, processamento de informações, programação e execução motora. Já a teoria da ação tem se preocupado em investigar a relação entre o indivíduo e o ambiente no controle e produção de movimentos. Nessa teoria, o controle motor e a aquisição de habilidades motoras ocorrem por meio do estabelecimento de uma relação funcional entre o indivíduo e o ambiente, sem a necessidade de intermediação por parte de representações do SNC. Os padrões coordenativos de movimento emergem para suprir os constrangimentos presentes no contexto de performance (ambiente).  

As teorias clássicas de aprendizagem motora explicam o processo de aprendizagem apenas até a automatização da habilidade motora. Contudo, a aprendizagem parece não se findar com a automatização. Um modelo recente de aprendizagem motora, que engloba conceitos de ambas as teorias citadas anteriormente, tem sido proposto nos últimos anos: o modelo adaptativo de aprendizagem motora. A partir de conceitos como a visão de sistemas dinâmicos e a noção de representação central abstrata, o modelo propõe a existência de um programa de ação organizado hierarquicamente, composto por uma macroestrutura (responsável pela consistência) e uma microestrutura (responsável pela flexibilidade). A microestrutura diz respeito aos componentes da habilidade e a macroestrutura refere-se ao padrão que emerge da interação entre esses componentes. O tempo total, a força total e a seleção de músculos de uma habilidade são exemplos de aspectos variantes relacionados à microestrutura, enquanto que o sequenciamento, o tempo relativo e a força relativa são aspectos invariantes relacionados a macroestrutura. Exemplificando, na cortada do voleibol, a sequência do movimento não varia (corrida de aproximação, passada de ataque, salto, golpe na bola e queda), o que varia em sua execução é o tempo total do movimento, os músculos acionados e a força empregada dependendo das circunstâncias do ambiente (o tipo de levantamento, a altura da bola, a velocidade da bola, a distância da bola em relação à rede etc). Nesse modelo, a aprendizagem motora é caracterizada como um processo contínuo de estabilização-adaptação-estabilização. Na fase de estabilização ocorre um aumento da consistência da habilidade devido à eliminação do erro por meio do feedback negativo. Os movimentos atingem uma padronização espaço-temporal e se tornam mais consistentes e coordenados, formando uma estrutura (macroestrutura). Já na fase de adaptação, ocorrem ajustes no sistema devido às perturbações tanto do ambiente (ex: estímulos externos que exigem uma resposta) quanto do próprio sistema (ex: a intenção do próprio executante em executar a habilidade de outra forma). Essa adaptação pode ocorrer pela flexibilidade inerente à estrutura adquirida, ou seja, pela mudança de parâmetros do movimento (microestrutura), pela reorganização da própria estrutura (macroestrutura), ou pela emergência de uma estrutura completamente nova (auto-organização). 

No campo da aprendizagem motora, é de amplo conhecimento da comunidade científica a existência de fatores que auxiliam o processo de aquisição de habilidades motoras. São alguns deles: a instrução prévia à prática, o estabelecimento de metas, o feedback, e a prática propriamente dita (UGRINOWITSCH & BENDA, 2011). Ao propor determinada tarefa em uma aula/treino, o professor deve optar se a prática será constante ou aleatória, pelo todo ou pelas partes, massificada ou distribuída, fornecer instruções verbais e/ou demonstrações, estabelecer metas ou critérios de êxito para que os alunos possam balizar seu desempenho e fornecer feedback durante e após a prática para ajudar os alunos a alcançar a meta. São muitos os fatores que os professores podem organizar e controlar em suas intervenções. Nos próximos posts, vamos detalhar mais cada um deles.

Até uma próxima!

REFERÊNCIAS


TANI, Go; TADEU, Jefferson; MARIA, Ana. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas. Revista da Educação Física/UEM. Maringá, v. 21, n. 3, p. 329-380, 3. trim. 2010. 


UGRINOWITSCH, Herbert; BENDA, Rodolfo Novellino. Contribuições da Aprendizagem Motora: a prática na intervenção em Educação Física. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.25-35, dez. 2011

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Estruturação do treinamento técnico-tático de voleibol

O processo de estruturação do treinamento técnico-tático pressupõe o estabelecimento de objetivos, a seleção/organização de conteúdos e a elaboração de tarefas que deem conta de desenvolver esses conteúdos ao longo das etapas de formação e/ou durante uma temporada esportiva. 

As tarefas desenvolvidas pelo professor/treinador durante uma aula/treino são as unidades mais básicas do processo de treinamento. Por meio delas, os professores materializam suas intenções para alcançar os objetivos propostos. Para desenhar tarefas representativas, o professor necessita manipular uma série de variáveis pedagógicas, são elas: meios de treinamento, fases de jogo, situações de jogo, tipo de conteúdo e o conteúdo propriamente dito; e organizativas: tempo de duração das tarefas e o tipo de participação dos alunos. No post de hoje, vou me ater às variáveis pedagógicas para a elaboração de tarefas para o treino de voleibol.

Os meios de treinamento são as formas e estratégias utilizadas pelo professor para desenvolver os conteúdos e alcançar os objetivos propostos para a sessão de treinoA diversidade de meios de treinamento disponíveis na atualidade evidencia as concepções metodológicas adotadas ao longo dos anos pelos treinadores de esportes. Ambos os métodos e seus respectivos meios de treinamento tem suas vantagens e desvantagens. Nesse sentido, a diversificação dos mesmos deve ser valorizada pelo professor na elaboração das tarefas.

Os métodos oriundos do princípio analítico-sintético, os chamados métodos tradicionais, utilizam exercícios de valor absoluto e previsíveis, sendo importantes para o desenvolvimento de habilidades básicas e de intimidade do aluno com a bola. São exemplos desses o método analítico,  o método misto e a série de exercícios. Os meios ou estratégias de ensino oriundos desses métodos são os exercícios (analíticos, sincronizados, combinados, circuito etc). 

Já os métodos oriundos do princípio global-funcional utilizam o jogo ou cursos de jogos, oferecendo problemas imprevisíveis e de valor relativo, estimulando a resolução de problemas e a criatividade (GALATTI, 2007). São alguns exemplos o método global e a série de jogos. Como principal meio/estratégia de ensino desses temos o jogo (jogos reduzidos, jogos condicionados, jogo formal, jogo competitivo etc).

As fases de jogo dizem respeito às fases de ataque, de defesa e mista (ataque e defesa concomitantemente). No voleibol, o jogo pode ser dividido em complexo de jogo I (fase de ataque) e complexo de jogo II (fase de defesa). O complexo de jogo I engloba as ações de recepção, levantamento e ataque. Já o complexo de jogo II consiste nas ações de saque, bloqueio e defesa, seguidas pelo levantamento e ataque. Apesar do saque estar dentro do complexo II, por causa da sequência de ações (sacar e entrar na quadra para defender), atualmente ele é considerado a primeira ação ofensiva da equipe. 

É muito comum treinadores privilegiarem uma fase em relação à outra durante o processo de treinamento, principalmente a fase de ataque, pois ela está diretamente relacionada à conquista do ponto. Contudo, é necessário contemplar todas as fases de jogo ao longo do processo de treinamento para que os alunos aprendam a gerir os momentos do jogo e as transições ofensivas e defensivas.

As situações de jogo representam o número de jogadores e os papéis que eles possuem em uma tarefa concreta (relação de oposição [x] ou cooperação [+]: 1x0, 1x1, 1x1+1, 2x0, 2x1, 2x2 etc). Por exemplo, uma tarefa de saque x passe/recepção pode ser descrita como uma situação de jogo 1x1, 1x2, 1x3 etc.  Por sua vez, uma tarefa de saque x passe/recepção + levantamento pode ser descrita como uma situação de jogo 1x1+1, 1x2+1, 1x3+1 etc. Como podemos ver, elas podem ser de igualdade, superioridade ou inferioridade numérica. 

Quanto maior o número de jogadores e de relações de oposição e cooperação, mais complexa é a tarefa. Nesse sentido, deve-se oferecer, ao longo das etapas de formação e/ou durante uma temporada esportiva, situações de jogo diferenciadas aos alunos, visando uma progressão adequada das tarefas e a facilitação da aprendizagem (DALLEGRAVE, 2018). Na iniciação ao voleibol, pode-se priorizar tarefas mais simples por meio de situações de jogo 1x0, 1+1, 1x1, 2x0, 2x1, 2x2 etc enquanto que nas etapas mais avançadas, situações de jogo mais complexas como 1x3, 1x4, 1x5, 1x1+1, 1x2+1, 1x3+1, 3x3, 4x4 e 6x6 podem ser priorizadas. De modo semelhante, durante uma temporada esportiva pode-se começar com situações de jogo menos complexas e avançar para situações de jogo mais complexas conforme se aproximam os períodos competitivos.

Os tipos de conteúdo podem ser descritos em gestos técnico-táticos (ações técnicas individuais e grupais) e condutas tático-técnicas (ações táticas individuais e grupais). No voleibol, os gestos técnico-táticos são os chamados fundamentos técnicos: saque por baixo, toque, manchete, saque por cima, cortada, bloqueio, defesa etc. Já as condutas tático-tecnicas estão relacionadas aos fundamentos e ações de jogo do voleibol: saque, passe/recepção, levantamento, ataque, bloqueio e defesa. 

Todas as variáveis pedagógicas se relacionam entre si durante o processo de planejamento e elaboração das tarefas do treino. Um exemplo é a relação entre as fases do jogo e as situações de jogo. Quando se pretende trabalhar a fase de ataque, pode-se utilizar diversas situações de jogo, desde o 1x0 com o intuito de desenvolver gestos técnico-táticos como o movimento da cortada, até situações de jogo mais complexas como o 1x2+4 (ataque x bloqueio + defesa) com o intuito de trabalhar condutas tático-técnicas, no caso, o ataque se opondo ao bloqueio duplo e a defesa adversária. Se a pretensão é trabalhar a fase mista (ataque e defesa simultaneamente), situações de jogo com igualdade numérica como o 1x1, 2x2, 3x3, 4x4 ou 6x6 podem ser utilizadas.

Por fim, conhecer as variáveis pedagógicas, suas relações e saber manipulá-las pode contribuir para a avaliação e elaboração de tarefas efetivas que contribuam para o processo de estruturação do treinamento técnico-tático

Até uma próxima!

REFERÊNCIAS

DALLEGRAVE, Eduardo José, FOLLE, Alexandra  OLIVEIRA, Vinícius Plentz, NASCIMENTO, Juarez Vieira. Estrutura das tarefas de treinamento em modalidades esportivas coletivas: análise da produção científica. Movimento, Porto Alegre, v. 24, n. 3, p. 827-842, jul./set. de 2018.

GALATTI,  Larissa Rafaela, PAES, Roberto Rodrigues. Pedagogia do esporte e a aplicação das teorias acerca dos jogos esportivos coletivos em escolas de esportes: o caso de um clube privado de Campinas - SP. Conexões: revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 5, n. 2, p. 31-44, jul./dez. 2007.

O que ensinar no voleibol?

Certamente, outra pergunta frequente que os professores, treinadores e técnicos de voleibol se fazem quando iniciam a profissão é: o que ensinar?

Segundo Parejo González et al (2014), os professores tendem a escolher e priorizar certos tipos de conteúdo de acordo com suas experiências anteriores como atleta e/ou professor/treinador, nível de formação inicial, categoria esportiva que se trabalha, etc. Nesse sentido, a escolha dos conteúdos pode ser considerada um processo complexo e dinâmico que está em constante mudança. No contexto do voleibol, geralmente, os chamados fundamentos técnicos (toque, manchete, saque por baixo, saque por cima, cortada, bloqueio e defesa) são considerados os principais conteúdos de ensino. Nessa perspectiva, o ensino tem como premissa desenvolver essas habilidades para que o aluno possa jogar voleibol. Contudo, Garganta (1995), em seu estudo sobre o ensino dos jogos esportivos coletivos (JECs), têm sinalizado a necessidade de se aliar o ensino da tática (as razões de se fazer) com o da técnica (como fazer).  

Pensar os conteúdos de ensino pressupõe conhecer a lógica do jogo que se ensina. Segunda Bayer ( 1994), a lógica do jogo emana da interação entre suas referências estruturais e funcionais. As referências estruturais estão relacionadas às características comuns ou invariantes dos jogos esportivos coletivos como o espaço, bola, alvos a se atacar e defender, companheiros, adversários e regras, enquanto que as referências funcionais, derivadas dos anteriores, estão relacionadas aos princípios operacionais (de ataque e defesa) e às regras de ação (formas e maneiras de agir nas diferentes modalidades esportivas para cumprir com os princípios operacionais). Os princípios operacionais elencados por Bayer para os JECs de invasão são: conservar a posse da bola, progredir com a bola em direção ao alvo adversário e atacar o alvo (ataque); recuperar a posse da bola, impedir a progressão da bola e do adversário e proteger o alvo (defesa). 

O voleibol, diferentemente dos JECs de invasão, possui algumas particularidades relacionadas aos seus elementos estruturais e funcionais: o espaço é dividido por uma rede, o alvo é a própria quadra e as regras estabelecem um número limitado de contatos com a bola, além da impossibilidade de reter ela para si e de invadir a quadra adversária. Essas regras fazem com que os jogadores tenham que realizar contatos breves com a bola e construir as ações de jogo de forma alternada sem a interferência direta do adversário. Nesse sentido, os seus princípios operacionais (ou princípios táticos) podem ser descritos em: 

- manter o rally (princípio básico)
marcar o ponto (ataque)
- impedir o ponto (defesa)

A partir desses princípios, nós podemos pensar em regras de ação específicas do voleibol como: colocar a bola em jogo (saque), construir o ataque com os três toques (recepção/defesa, levantamento e ataque), bloquear o ataque, defender o espaço etc. Pensar os conteúdos de aprendizagem a partir das referências estruturais e funcionais dos JECs possibilita a superação da concepção tradicional de ensino pautada apenas no gesto técnico. Nesse sentido, Daolio (2002) propõe um modelo pendular, no qual o processo de aprendizagem deve iniciar pelos princípios operacionais comuns aos JECs, passar pelas regras de ação da modalidade esportiva, até chegar ao desenvolvimento dos gestos técnicos específicos. Em um processo de ensino do voleibol pode-se começar pelo ensino dos princípios operacionais, avançar para as regras de ação da modalidade (saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio, defesa e contra ataque) até chegar ao ensino dos gestos técnicos específicos (toque, manchete, saque por baixo, cortada etc).

Outro detalhe importante sobre essa questão é a necessidade de se considerar as outras dimensões dos conteúdos no processo de ensino (BARROSO & DARIDO, 2010). A Educação Física, pelo seu histórico, tem privilegiado a dimensão procedimental do conteúdo (o que fazer), deixando de lado as dimensões conceitual (o que saber) e atitudinal (como ser). Um exemplo disso é a excessiva preocupação com o ensino de aspectos técnico-táticos do voleibol (habilidades técnicas, táticas, estratégias, sistemas de jogo, etc) e a negligência para com os aspectos atitudinais (princípios, comportamentos, valores, fair play etc) e conceituais (conhecimentos sobre a modalidade, curiosidades, relações com a mídia, cultura esportiva etc). Por isso, é necessário avançar no processo de superação da concepção tradicional de ensino e dar mais visibilidade a essas outras dimensões, contribuindo para um formação esportiva mais humana e completa.

Até uma próxima!


REFERÊNCIAS

BARROSO, André Luís Rugiero. DARIDO, Suraya Cristina. Voleibol escolar: uma proposta de ensino nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 24, 179-194, 2010.


BAYER, C. O ensino dos desportos colectivos. Dinalivro, Lisboa, 1994.

GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In: A. Graça & J. Oliveira (Eds.). O ensino dos jogos desportivos. 2ed. Porto, Universidade do Porto, 1995.

PAREJO GONZÁLEZ, I. et al. Análisis de las diferencias en la priorización de contenidos de entrenamiento en baloncesto formativo en función de las características del entrenador. Un estudio de casos. Revista Española de Educación Física y Deportes, 407, 21-35, 2014.