Certamente, um dos fatores mais importantes em aprendizagem motora é a prática. É por meio dela que os alunos adquirem habilidades motoras e melhoram suas capacidades de jogo. O principal interesse dos pesquisadores nessa temática tem sido investigar as diferentes formas de organizar a prática - fragmentação, espaçamento e variabilidade - e suas combinações em situações de ensino e treinamento (UGRINOWITSCH & BENDA, 2011).
Em relação à fragmentação da prática, uma habilidade motora pode ser realizada pelas partes e/ou pelo todo. A prática por partes consiste em separar os componentes de uma habilidade e praticá-las separadamente. Por exemplo, na cortada, praticar primeiro a passada de ataque, depois o movimento dos braços (chamada), depois o salto e o movimento dos braços/encaixe na bola. Já a prática pelo todo consiste em praticar a habilidade por inteiro. Antes de optar por uma ou outra forma de fragmentação da prática, faz-se necessário verificar a complexidade e a organização da habilidade motora. A complexidade está relacionada ao número de componentes de uma habilidade. Já a organização está relacionada à interação entre esses componentes. A prática pelas partes parece favorecer a aprendizagem de habilidades motoras com alta complexidade e baixa organização, visto que o problema é dominar os muitos componentes da habilidade, enquanto que a prática pelo todo favorece a aprendizagem de habilidades motoras com baixa complexidade e alta organização, pois o problema na execução dessas habilidades é a interação entre os componentes.
As formas de fragmentação da prática devem ser compreendidas como extremidades opostas em um continuum, no qual existe uma diversidade de formas de se praticar determinada habilidade. As habilidades motoras que se encontram no meio desse continuum se beneficiam de práticas mistas (segmentação, combinação, adição, simplificação), como é o caso da maioria das habilidades do voleibol (habilidades complexas e seriadas). A segmentação consiste em praticar componentes da habilidade de forma segmentada (ex: movimento do braço/encaixe na bola, passada de ataque etc). A combinação consiste em combinar dois ou mais componentes da habilidade (ex: passada de ataque e salto; salto e movimento dos braços/encaixe na bola). A adição consiste em adicionar os componentes da habilidade progressivamente (ex: primeiro praticar a passada de ataque (A), depois a passada com os movimentos do braço (A+B), depois a passada de ataque, o movimento dos braços e o salto (A+B+C), e assim por diante até executar a habilidade completa. Já a simplificação consiste em utilizar recursos que facilitem a execução da habilidade, por exemplo, o uso de bolas mais leves que permanecem mais tempo no ar, segurar a bola perto e acima da rede para o aluno realizar a cortada etc.
Sobre o espaçamento da prática, nós podemos realizar ela de forma maciça, quando o intervalo de pausa entre uma tentativa e outra é menor em relação ao tempo de prática, ou de forma distribuída, quando o intervalo de pausa entre uma tentativa e outra é maior em relação ao tempo de prática. A prática maciça parece não contribuir muito para a aprendizagem, pois o esforço cognitivo é pequeno. Durante esse tipo de prática o aluno não tem tempo de processar as informações e reelaborar a resposta entre as tentativas. Já na prática distribuída ocorre o inverso, a maior pausa entre as tentativas favorece à perda das informações e gera a necessidade de um maior resgate e processamento delas para reelaborar a resposta. Em outras palavras, o esforço cognitivo na prática distribuída é maior comparado ao da prática maciça. Uma forma de controlar o espaçamento da prática é escolher o tipo de participação dos alunos nas tarefas. A participação consecutiva (em forma de rodízio, por exemplo) e alternada (grupos) pode contribuir para uma prática distribuída. Já a participação simultânea e repetitiva (todos realizam a tarefa ao mesmo tempo) pode contribuir para uma prática mais maciça.
Em relação à variabilidade, a prática pode ser organizada de forma constante e/ou aleatória. As variações podem ser tanto no programa motor generalizado (estrutura do movimento), por exemplo, realizar um saque por baixo e depois um saque por cima, quanto nos parâmetros do movimento, por exemplo, realizar um saque na paralela e depois um saque na diagonal. A prática constante consiste em executar uma única habilidade sem variação, tentativa por tentativa (AAA. Ex: realizar três saques na mesma posição). Já a prática aleatória consiste em executar uma ou mais habilidades e/ou variações, tentativa por tentativa (ABC. Ex: um saque, uma manchete e depois um toque, ou um saque na posição 1, depois na posição 5, depois na posição 6). A prática variada também pode ser em blocos (menor interferência contextual), quando ocorrem variações após um número determinado de tentativas (AAABBB); seriada, quando ocorrem variações em uma sequência pré-estabelecida (ABCABC); ou randômica (maior interferência contextual), quando ocorrem variações aleatórias de uma ou mais habilidades, tentativa por tentativa (ACBCAB). Quanto à ordem de prática, os estudos têm constatado que a prática constante seguida da aleatória parece ser mais favorável para a aprendizagem de habilidades motoras, pois na fase inicial de aprendizagem, a prática constante proporciona a padronização espaço-temporal do movimento, formando uma estrutura e gerando consistência na execução da habilidade, enquanto que a prática aleatória, posteriormente, proporciona a modificação dos parâmetros da habilidade motora, sendo responsável pela variabilidade na execução (adaptação).
Em contextos de ensino e treinamento, a prática se organiza por meio da combinação dos diferentes tipos de prática. Por exemplo, uma tarefa onde o aluno tem que realizar toques consecutivos em um alvo fixo na parede pode ser classificada como uma prática pelas partes, maciça e constante. Nesse sentido, o professor pode organizar a prática combinando os diferentes tipos de prática de acordo com os seus objetivos e intenções para uma determinada sessão de treino.
Até uma próxima!
REFERÊNCIAS
UGRINOWITSCH, Herbert; BENDA, Rodolfo Novellino. Contribuições da Aprendizagem Motora: a prática na intervenção em Educação Física. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.25-35, dez. 2011.
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