quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Ensinando voleibol por meio de princípios táticos

O ensino do voleibol, geralmente, é organizado com o intuito de desenvolver os chamados fundamentos técnicos (toque, manchete, saque, cortada etc). Poucas são as propostas de organização dos conteúdos que tem como referência os princípios táticos da modalidade. Dentre elas, Ginciene & Impolcetto (2019) propuseram uma base comum para o ensino dos esportes de rede/parede (voleibol, tênis, squash, etc) que parte da lógica interna comum a esse conjunto de esportes: enviar a bola à quadra adversária com o intuito de marcar o ponto, induzir o erro adversário ou pelo menos dificultar a devolução dela. Nessa proposta, o processo de aprendizagem inicia com jogos de lançar e agarrar, passa por jogos de golpear/volear a bola com as mãos até chegar aos jogos de rebater com implementos. Todos esses níveis podem ter estágios (com pingos ou sem pingos) e os jogos podem assumir um cárater cooperativo e/ou opositivo. Depois que os alunos compreendem a lógica de funcionamento dos jogos de rede/parede (base comum), passa-se ao ensino das particularidades de cada modalidade. Pensando mais especificamente no ensino do voleibol, uma progressão possível a partir dessa proposta seria começar pelos jogos de lançar e agarrar, sem pingos, depois jogos de agarrar e rebater, até chegar aos jogos de rebater com as mãos. 

Como discutimos em um post anterior (clique aqui), os princípios operacionais (ou princípios táticos) dos esportes de rede/parede podem ser descritos em: manter o rally, marcar o ponto (ataque) e impedir o ponto (defesa). Nesse post, compartilharei com vocês uma proposta de ensino pautada nesses princípios.

Em um processo de iniciação ao voleibol, os alunos, geralmente, compreendem pouco ou nada sobre o enredo do jogo de voleibol. Nesse sentido, é importante que no primeiro contato com a modalidade os alunos reconheçam os elementos estruturais (espaço de jogo, a bola, alvos a atacar e defender, companheiros e adversários, regras básicas etc) e funcionais (princípios e regras de ação) do voleibolÉ comum na iniciação ao voleibol os alunos não conseguirem manter a bola em jogo devido ao fato deles ainda não dominarem as habilidades básicas da modalidade e algumas regras de ação como colocar a bola em jogo (saque), se posicionar adequadamente em quadra, ir em direção à bola e enviar a bola para a quadra adversária para marcar o ponto. Nesse sentido, jogos com a possibilidade de agarrar e lançar a bola podem ser utilizados para que os alunos compreendam a lógica de funcionamento do jogo de voleibol. Jogos cooperativos (1x0, 1+1, 2+2, 3+3, etc) com o objetivo de facilitar o envio da bola para a quadra adversária e mantê-la no ar o maior tempo possível podem ser utilizados para que os alunos desenvolvam as habilidades básicas e consigam cumprir o princípio básico do jogo (manter o rally). Por exemplo, jogos nos quais se pontuam quando a bola passa sobre a rede ou quando é realizado um número determinado de toques na bola (3, 4, 5 etc). 

Após os alunos dominarem algumas ações técnico-táticas que permitem a sustentação da bola no ar e a apreciação do jogo, passa-se ao ensino do princípio tático de ataque: marcar o ponto. O objetivo agora é enviar a bola para a quadra adversária com o intuito de marcar o ponto, induzir o erro adversário ou pelo menos dificultar a devolução da bola. Para isso, regras de ação como direcionar o saque, construir o ataque com os três toques e enviar a bola aos espaços vazios da quadra adversária podem ser trabalhadas. Para essa fase, jogos reduzidos com caráter de oposição podem ser utilizados, por exemplo, um jogo 2x2 ou 3x3 no qual só pode marcar ponto se a equipe realizar os três toques, a equipe que realizar os três toques ganha um ponto extra, o número de toques realizados pela equipe é o número de pontos que ela adquire se pontuar, um passe bom marca um ponto extra para a equipe, um levantamento bom marca outro ponto extra para a equipe, a equipe que conseguir colocar a bola direto no chão da quadra adversária sem que o adversário encoste nela marca dois pontos etc. 

Em um próximo momento, pode-se passar ao ensino do princípio tático de defesa: impedir o ponto. Regras de ação como bloquear o ataque e defender o espaço podem ser desenvolvidas. O bloqueio pode ser defensivo (quando busca "amortecer" o ataque adversário) ou ofensivo (quando busca fazer com que a bola do ataque seja rebatida diretamente para o chão da quadra adversária). Já a defesa busca antecipar o ataque e ocupar os espaços da quadra para defender. Nessa fase, jogos nos quais são computados mais pontos para a equipe que está defendendo (bloqueios, defesas e/ou contra-ataques bem sucedidos) podem ser utilizados.

Vale ressaltar que os princípios táticos de ataque e defesa estão presentes em todas as etapas do processo. O que varia nessa proposta é a predominância de um princípio sobre outro nas diferentes fases de aprendizagem dentro de uma organização lógica. Isso significa, por exemplo, que o princípio tático de manter o rally, predominante na fase inicial do processo, está presente também nas outras fases e pode ser enfatizado dependendo do objetivo estipulado pelo professor/treinador para uma determinada turma em um determinado contexto. Também é importante esclarecer que o ensino da técnica não é negligenciado nessa proposta, mas sim, contextualizado com os princípios táticos. Os gestos técnicos emergem para resolver os problemas impostos pela dinâmica do jogo.

Espero que este post tenha contribuído para uma reflexão sobre a forma como organizamos o processo de ensino-aprendizagem do voleibol.

Até mais!

REFERÊNCIAS

GINCIENE, G.; IMPOLCETTO, F. M. Primeiras aproximações para uma proposta de ensino dos jogos de rede/parede: reflexões sobre o tênis de campo e o voleibol. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 27(2), p. 121-132, 2019.

MESQUITA, I. (1994): O ensino do voleibol - Proposta metodológica. In O ensino dos jogos desportivos: 153-199. A. Graça & J. Oliveira (Eds.). Centro de Estudos dos Jogos Desportivos. FCDEF-UP.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Aprendizagem motora: feedback

Outro fator importante que auxilia o processo de aquisição de habilidades motoras é o feedback. O feedback nada mais é do que o conjunto de informações percebidas pelo aluno/atleta sobre o seu desempenho durante e após a prática. A família do feedback é composta pelos feedback intrínseco e extrínseco. O feedback interno ou intrínseco diz respeito às informações captadas pelo aluno durante ou após o desempenho da habilidade por meio dos sistemas exteroceptivos e proprioceptivos como a visão, o tato, a audição, a propriocepção etc. Já o feedback extrínseco ou aumentado consiste em informações fornecidas por um agente externo, por exemplo, o professor. 

Em estágios iniciais de aprendizagem, principalmente no estágio associativo, os alunos já conseguem identificar o erro na execução da habilidade motora, porém não sabem o que fazer para solucioná-lo, e por isso, o fornecimento de feedback externo é de suma importância.  O feedback externo pode ser fornecido de duas formas: por meio do conhecimento de resultado (CR) ou conhecimento de performance (CP). O CR consiste em fornecer informações sobre o alcance da meta ambiental da tarefa, por exemplo, "você acertou o saque", " você errou o saque", " o saque caiu na posição 5" etc. Já o CP consiste em fornecer informações sobre o padrão de movimento, por exemplo, "segure a bola à frente e na altura do quadril para sacar". Ele tem como principais funções: informar sobre o desempenho da habilidade motora (feedback negativo: descrição do erro e prescrição de soluções, diminuição do erro. Ex: “a bola bateu na sua mão ao invés de bater no antebraço, deixe o braço esticado e contate a bola com o antebraço na manchete”) e/ou motivar os alunos a praticar determinada habilidade motora (feedback positivo: elogios, reforço positivo, reconhecimento dos acertos do aluno. Ex: “bom saque”).

Em relação à frequência de feedbacks, um número reduzido e distribuído ao longo da prática parece favorecer a aprendizagem, pois o excesso do mesmo faz com que o aluno se torne dependente dele e não desenvolva os mecanismos de detecção e correção do erro durante a prática. Nesse sentido, o feedback emitido pelo professor deve complementar a avaliação de desempenho feita pelo aluno (feedback interno), e não substituí-la. Algumas estratégias que o professor pode utilizar para diminuir a frequência de feedbacks são: estabelecer uma frequência relativa e/ou uma faixa de amplitude. A frequência relativa consiste em determinar um percentual de feedbacks a serem fornecidos durante a prática (por exemplo, 50%: a cada duas tentativas é fornecido um feedback; 33%: a cada três tentativas é fornecido um feedback). Já a faixa de amplitude consiste em estipular uma faixa de tolerância ao erro (UGRINOWITSCH et al, 2011). Nesse caso, se o desempenho do aluno está dentro da faixa, é considerado um acerto, mesmo que o desempenho não tenho sido totalmente correto. Nessas condições, o feedback não é fornecido ao aluno, mas ele sabe previamente que a ausência dessa informação significa um acerto. Por exemplo, no saque por baixo, o professor estipula que os alunos devem segurar a bola na altura do quadril. Se ele percebe que um aluno está segurando a bola um pouco acima da altura e a faixa de amplitude estipulada for ampla (mais tolerante), ele não fornece feedback. Porém, se a faixa estipulada for estreita (pouco tolerante), ele imediatamente fornece CP. Após os alunos realizarem a execução esperada do componente e estarem dentro da faixa, o feedback não é mais fornecido e os alunos interpretam a ausência de informação nas próximas tentativas como acerto na execução do movimento. Faixas mais amplas nos estágios iniciais de aprendizagem são mais favoráveis para a aprendizagem, enquanto que em estágios mais avançados, faxias estreitas (pouca tolerância ao erro) são mais recomendadas.

Espero que este post tenha te ajudado a refletir sobre o feedback e que você possa aplicar esses conhecimentos na sua prática.

Até mais!


REFERÊNCIAS

UGRINOWITSCH, Herbert; FONSECA, Fabiano de Souza; FLÁVIA, Maria; PINTO, Soares; LEANDRO, Vitor; BENDA, Rodolfo Novellino. Efeitos de faixas de amplitude de CP na aprendizagem do saque tipo tênis do voleibol. Motriz, Rio Claro, v.17, n.1, p.82-92, jan./mar. 2011


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Aprendizagem motora: estabelecimento de metas

Após instruir os alunos sobre a tarefa, é necessário que o professor estabeleça metas ou critérios de êxito para balizar e avaliar o desempenho dos alunos na aula/treino. O estabelecimento de critérios claros e específicos pode promover a aprendizagem à medida que os alunos atingem as metas e se engajam na prática (TANI et al, 2004). O sistema de accountability (responsabilização) possibilita que os alunos prestem contas sobre o seu desempenho e se motivem para melhorar sua performance.

As metas devem ser específicas, atingíveis, realistas, e de preferência de curto prazo. Metas inalcançáveis podem desestimular os alunos e ser prejudicial para o processo de aprendizagem. Elas também devem variar conforme o nível de habilidade dos alunos e o objetivo estabelecido para a sessão de treino, podendo ser de processo (realização do movimento - ex: entrar embaixo da bola no toque), produto (resultado do movimento - ex: realizar 10 saques direcionados para a posição 1) ou de resultado (aplicação dos movimentos em situação de jogo - ex: vencer o rally no side-out). 

Pensando em um processo de aprendizagem do voleibol, metas e critérios de êxito relacionados realização do movimento (processo/eficiência) e ao resultado do movimento (produto/eficácia) podem ser predominantes nas etapas iniciais visto que, geralmente, as habilidades motoras básicas e os fundamentos do voleibol são os principais conteúdos a serem aprendidos. Contudo, é importante levar em consideração que nem todo aspecto relacionado a eficiência da técnica é imprescindível para se obter êxito no jogo (MESQUITA et al, 2001). A aprendizagem da técnica deve estar orientada à eficácia em situação de jogoApós os alunos assimilarem os aspectos relacionados à eficiência e eficácia das habilidades motoras básicas e fundamentos, critérios de êxito relacionados a aplicação em situação de jogo podem ser introduzidos de forma gradual visto que o problema agora é solucionar os problemas relacionados às ações de jogo (saque, passe/recepção, levantamento, ataque, bloqueio, defesa, contra ataque etc).

Por fim, é importante salientar que os diferentes tipos de metas e  critérios de êxito podem ser utilizados em qualquer etapa de aprendizagem, desde que eles estejam condizentes com o nível de aprendizagem dos alunos e com os objetivos do professor/treinador. 

Espero que esse post tenha te ajudado.

Até uma próxima!
 
REFERÊNCIAS
MESQUITA, Isabel; MARQUES, António; MAIA, José. A relação entre a eficiência e a eficácia no domínio das habilidades técnicas em Voleibol. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2001, vol. 1, nº 3 [33–39].
TANI, Go; FREUDENHEIM, Andréa Michele; MEIRA JR, Cássio de Miranda; Corrêa, Umberto Cesar. Aprendizagem motora: tendências , perspectivas e aplicações. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v.18, p.55-72, ago. 2004.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Aprendizagem motora: instrução verbal e demonstração

Ao propor determinada tarefa em uma aula/treino, o professor/técnico deve oferecer instrução prévia à prática, ou seja, fornecer informações aos alunos sobre a tarefa a ser realizada. Isso envolve explicar os objetivos da tarefa, organizar os alunos em quadra, especificar o que será feito, como será feito etc. 

A instrução prévia à prática pode ser realizada de duas formas: por meio da instrução verbal e/ou demonstração (UGRINOWITSCH & BENDA, 2011). A instrução verbal consiste em fornecer informações verbais sobre os aspectos da tarefa, por exemplo, dizer aos alunos "vocês vão realizar um saque e depois entrar na quadra para defender um ataque". 
A instrução não deve ser demasiadamente longa e cheia de informações, por isso, uma forma interessante de instruir verbalmente é utilizar dicas verbais. As dicas verbais nada mais são do que frases ou expressões curtas e objetivas que resumem as informações relacionadas à tarefa, por exemplo, "passa e abre pra atacar, "saca e entra na quadra" etc. Elas têm como intuito condensar as informações e dirigir a atenção dos alunos para os aspectos específicos e essenciais da tarefa. A demonstração, por sua vez, consiste em apresentar aos alunos um modelo executando a tarefa  (professor, aluno, vídeo etc). Esse tipo de instrução possibilita a formação de um plano de ação e serve como uma referência cognitiva ao aluno para a detecção e correção do erro durante a prática.

A associação entre a demonstração e a instrução verbal parece ser mais efetiva para a aquisição de habilidades motoras. A instrução verbal, apesar de contemplar o objetivo e a especificação da tarefa, não fornece um modelo de execução (como fazer). Nesse sentido, a demonstração supre essa demanda oferecendo uma imagem da execução completa ou parcial do movimento, e favorece a compreensão do objetivo da tarefa e o meio para alcançá-lo. Por exemplo, o professor, ao demonstrar o movimento da cortada, pode fornecer dicas verbais como "encaixe a mão na bola" ou "golpeie a bola no ponto mais alto" para dirigir a atenção dos alunos a componentes específicos da tarefa de acordo com os objetivos estipulados para a sessão de treino.

Em estágios iniciais da aprendizagem, as instruções sobre o padrão de movimento podem ser predominantes, enquanto que as informações sobre o resultado do movimento podem ser focadas em estágios mais avançados (CORRÊA et al, 2017). Nas etapas iniciais, os alunos estão formando uma estrutura (programa motor), e por isso necessitam uma referência cognitiva da execução da habilidade. Já nas etapas mais avançadas, o programas motor já está formado e agora o objetivo é relacionar a execução da habilidade motora com o resultado do movimento no ambiente.

Espero que esse post tenha te ajudado.

Até uma próxima!

REFERÊNCIAS

CORRÊA, Umberto Cesar; OLIVEIRA, Jorge Alberto De; TANI, Go. 40 anos da Pós-graduação da EEFE-USP : a sua contribuição para o avanço do conhecimento sobre o comportamento motor humano. Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo). 2017 Ago; 31(N esp):97-110.

UGRINOWITSCH, HerbertBENDA, Rodolfo Novellino. Contribuições da Aprendizagem Motora: a prática na intervenção em Educação Física. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.25-35, dez. 2011.

domingo, 25 de outubro de 2020

Aprendizagem motora: organização da prática

Certamente, um dos fatores mais importantes em aprendizagem motora é a prática. É por meio dela que os alunos adquirem habilidades motoras e melhoram suas capacidades de jogo. O principal interesse dos pesquisadores nessa temática tem sido investigar as diferentes formas de organizar a prática - fragmentação, espaçamento e variabilidade - e suas combinações em situações de ensino e treinamento (UGRINOWITSCH & BENDA, 2011).

Em relação à fragmentação da prática, uma habilidade motora pode ser realizada pelas partes e/ou pelo todo. A prática por partes consiste em separar os componentes de uma habilidade e praticá-las separadamente. Por exemplo, na cortada, praticar primeiro a passada de ataque, depois o movimento dos braços (chamada), depois o salto e o movimento dos braços/encaixe na bola. Já a prática pelo todo consiste em praticar a habilidade por inteiro. Antes de optar por uma ou outra forma de fragmentação da prática, faz-se necessário verificar a complexidade e a organização da habilidade motora. A complexidade está relacionada ao número de componentes de uma habilidade. Já a organização está relacionada à interação entre esses componentes. A prática pelas partes parece favorecer a aprendizagem de habilidades motoras com alta complexidade e baixa organização, visto que o problema é dominar os muitos componentes da habilidade, enquanto que a prática pelo todo favorece a aprendizagem de habilidades motoras com baixa complexidade e alta organização, pois o problema na execução dessas habilidades é a interação entre os componentes. 

As formas de fragmentação da prática devem ser compreendidas como extremidades opostas em um continuum, no qual existe uma diversidade de formas de se praticar determinada habilidade. As habilidades motoras que se encontram no meio desse continuum se beneficiam de práticas mistas (segmentação, combinação, adição, simplificação), como é o caso da maioria das habilidades do voleibol (habilidades complexas e seriadas). A segmentação consiste em praticar componentes da habilidade de forma segmentada (ex: movimento do braço/encaixe na bola, passada de ataque etc). A combinação consiste em combinar dois ou mais componentes da habilidade (ex: passada de ataque e salto; salto e movimento dos braços/encaixe na bola). A adição consiste em adicionar os componentes da habilidade progressivamente (ex: primeiro praticar a passada de ataque (A), depois a passada com os movimentos do braço (A+B), depois a passada de ataque, o movimento dos braços e o salto (A+B+C), e assim por diante até executar a habilidade completa. Já a simplificação consiste em utilizar recursos que facilitem a execução da habilidade, por exemplo, o uso de bolas mais leves que permanecem mais tempo no ar, segurar a bola perto e acima da rede para o aluno realizar a cortada etc. 

Sobre o espaçamento da prática, nós podemos realizar ela de forma maciça, quando o intervalo de pausa entre uma tentativa e outra é menor em relação ao tempo de prática, ou de forma distribuída, quando o intervalo de pausa entre uma tentativa e outra é maior em relação ao tempo de prática. A prática maciça parece não contribuir muito para a aprendizagem, pois o esforço cognitivo é pequeno. Durante esse tipo de prática o aluno não tem tempo de processar as informações e reelaborar a resposta entre as tentativas. Já na prática distribuída ocorre o inverso, a maior pausa entre as tentativas favorece à perda das informações e gera a necessidade de um maior resgate e processamento delas para reelaborar a resposta. Em outras palavras, o esforço cognitivo na prática distribuída é maior comparado ao da prática maciça. Uma forma de controlar o espaçamento da prática é escolher o tipo de participação dos alunos nas tarefas. A participação consecutiva (em forma de rodízio, por exemplo) e alternada (grupos) pode contribuir para uma prática distribuída. Já a participação simultânea e repetitiva (todos realizam a tarefa ao mesmo tempo) pode contribuir para uma prática mais maciça.

Em relação à variabilidade, a prática pode ser organizada de forma constante e/ou aleatória. As variações podem ser tanto no programa motor generalizado (estrutura do movimento), por exemplo, realizar um saque por baixo e depois um saque por cima, quanto nos parâmetros do movimento, por exemplo, realizar um saque na paralela e depois um saque na diagonal. A prática constante consiste em executar uma única habilidade sem variação, tentativa por tentativa (AAA. Ex: realizar três saques na mesma posição). Já a prática aleatória consiste em executar uma ou mais habilidades e/ou variações, tentativa por tentativa (ABC. Ex: um saque, uma manchete e depois um toque, ou um saque na posição 1, depois na posição 5, depois na posição 6). A prática variada também pode ser em blocos (menor interferência contextual), quando ocorrem variações após um número determinado de tentativas (AAABBB); seriada, quando ocorrem variações em uma sequência pré-estabelecida (ABCABC); ou randômica (maior interferência contextual), quando ocorrem variações aleatórias de uma ou mais habilidades, tentativa por tentativa (ACBCAB). Quanto à ordem de prática, os estudos têm constatado que a prática constante seguida da aleatória parece ser mais favorável para a aprendizagem de habilidades motoras, pois na fase inicial de aprendizagem, a prática constante proporciona a padronização espaço-temporal do movimento, formando uma estrutura e gerando consistência na execução da habilidade, enquanto que a prática aleatória, posteriormente, proporciona a modificação dos parâmetros da habilidade motora, sendo responsável pela variabilidade na execução (adaptação).

Em contextos de ensino e treinamento, a prática se organiza por meio da combinação dos diferentes tipos de prática. Por exemplo, uma tarefa onde o aluno tem que realizar toques consecutivos em um alvo fixo na parede pode ser classificada como uma prática pelas partes, maciça e constante. Nesse sentido, o professor pode organizar a prática combinando os diferentes tipos de prática de acordo com os seus objetivos e intenções para uma determinada sessão de treino.

Até uma próxima!

REFERÊNCIAS

UGRINOWITSCH, Herbert; BENDA, Rodolfo Novellino. Contribuições da Aprendizagem Motora: a prática na intervenção em Educação Física. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.25-35, dez. 2011.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Aprendizagem motora e voleibol

A aprendizagem motora é um campo de investigação da área do comportamento motor que estuda os mecanismos e processos subjacentes à aquisição de habilidades motoras e os fatores que auxiliam esses processos. Os conhecimentos produzidos nesse campo fornecem subsídios aos treinadores esportivos para orientar ações e estimular novas ideias e hipóteses operacionais na intervenção profissional. 

Na área do comportamento motor, duas perspectivas teóricas têm se destacado: a teoria motora e a teoria da ação (TANI et al, 2010). A teoria motora tem se preocupado em investigar os processos de armazenamento e processamento de informações na memória em forma de representações centrais e abstratas de movimento. Do ponto de vista dessa teoria, o controle de movimentos e a aquisição de habilidades motoras ocorrem por meio da estruturação de representações internas de movimento no cérebro (sistema nervoso central) que geram mudanças relativamente permanentes nas capacidades de movimento de um indivíduo. Um movimento é resultado de mecanismos internos de identificação de estímulos, processamento de informações, programação e execução motora. Já a teoria da ação tem se preocupado em investigar a relação entre o indivíduo e o ambiente no controle e produção de movimentos. Nessa teoria, o controle motor e a aquisição de habilidades motoras ocorrem por meio do estabelecimento de uma relação funcional entre o indivíduo e o ambiente, sem a necessidade de intermediação por parte de representações do SNC. Os padrões coordenativos de movimento emergem para suprir os constrangimentos presentes no contexto de performance (ambiente).  

As teorias clássicas de aprendizagem motora explicam o processo de aprendizagem apenas até a automatização da habilidade motora. Contudo, a aprendizagem parece não se findar com a automatização. Um modelo recente de aprendizagem motora, que engloba conceitos de ambas as teorias citadas anteriormente, tem sido proposto nos últimos anos: o modelo adaptativo de aprendizagem motora. A partir de conceitos como a visão de sistemas dinâmicos e a noção de representação central abstrata, o modelo propõe a existência de um programa de ação organizado hierarquicamente, composto por uma macroestrutura (responsável pela consistência) e uma microestrutura (responsável pela flexibilidade). A microestrutura diz respeito aos componentes da habilidade e a macroestrutura refere-se ao padrão que emerge da interação entre esses componentes. O tempo total, a força total e a seleção de músculos de uma habilidade são exemplos de aspectos variantes relacionados à microestrutura, enquanto que o sequenciamento, o tempo relativo e a força relativa são aspectos invariantes relacionados a macroestrutura. Exemplificando, na cortada do voleibol, a sequência do movimento não varia (corrida de aproximação, passada de ataque, salto, golpe na bola e queda), o que varia em sua execução é o tempo total do movimento, os músculos acionados e a força empregada dependendo das circunstâncias do ambiente (o tipo de levantamento, a altura da bola, a velocidade da bola, a distância da bola em relação à rede etc). Nesse modelo, a aprendizagem motora é caracterizada como um processo contínuo de estabilização-adaptação-estabilização. Na fase de estabilização ocorre um aumento da consistência da habilidade devido à eliminação do erro por meio do feedback negativo. Os movimentos atingem uma padronização espaço-temporal e se tornam mais consistentes e coordenados, formando uma estrutura (macroestrutura). Já na fase de adaptação, ocorrem ajustes no sistema devido às perturbações tanto do ambiente (ex: estímulos externos que exigem uma resposta) quanto do próprio sistema (ex: a intenção do próprio executante em executar a habilidade de outra forma). Essa adaptação pode ocorrer pela flexibilidade inerente à estrutura adquirida, ou seja, pela mudança de parâmetros do movimento (microestrutura), pela reorganização da própria estrutura (macroestrutura), ou pela emergência de uma estrutura completamente nova (auto-organização). 

No campo da aprendizagem motora, é de amplo conhecimento da comunidade científica a existência de fatores que auxiliam o processo de aquisição de habilidades motoras. São alguns deles: a instrução prévia à prática, o estabelecimento de metas, o feedback, e a prática propriamente dita (UGRINOWITSCH & BENDA, 2011). Ao propor determinada tarefa em uma aula/treino, o professor deve optar se a prática será constante ou aleatória, pelo todo ou pelas partes, massificada ou distribuída, fornecer instruções verbais e/ou demonstrações, estabelecer metas ou critérios de êxito para que os alunos possam balizar seu desempenho e fornecer feedback durante e após a prática para ajudar os alunos a alcançar a meta. São muitos os fatores que os professores podem organizar e controlar em suas intervenções. Nos próximos posts, vamos detalhar mais cada um deles.

Até uma próxima!

REFERÊNCIAS


TANI, Go; TADEU, Jefferson; MARIA, Ana. Pesquisa na área de comportamento motor: modelos teóricos, métodos de investigação, instrumentos de análise, desafios, tendências e perspectivas. Revista da Educação Física/UEM. Maringá, v. 21, n. 3, p. 329-380, 3. trim. 2010. 


UGRINOWITSCH, Herbert; BENDA, Rodolfo Novellino. Contribuições da Aprendizagem Motora: a prática na intervenção em Educação Física. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.25, p.25-35, dez. 2011

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Estruturação do treinamento técnico-tático de voleibol

O processo de estruturação do treinamento técnico-tático pressupõe o estabelecimento de objetivos, a seleção/organização de conteúdos e a elaboração de tarefas que deem conta de desenvolver esses conteúdos ao longo das etapas de formação e/ou durante uma temporada esportiva. 

As tarefas desenvolvidas pelo professor/treinador durante uma aula/treino são as unidades mais básicas do processo de treinamento. Por meio delas, os professores materializam suas intenções para alcançar os objetivos propostos. Para desenhar tarefas representativas, o professor necessita manipular uma série de variáveis pedagógicas, são elas: meios de treinamento, fases de jogo, situações de jogo, tipo de conteúdo e o conteúdo propriamente dito; e organizativas: tempo de duração das tarefas e o tipo de participação dos alunos. No post de hoje, vou me ater às variáveis pedagógicas para a elaboração de tarefas para o treino de voleibol.

Os meios de treinamento são as formas e estratégias utilizadas pelo professor para desenvolver os conteúdos e alcançar os objetivos propostos para a sessão de treinoA diversidade de meios de treinamento disponíveis na atualidade evidencia as concepções metodológicas adotadas ao longo dos anos pelos treinadores de esportes. Ambos os métodos e seus respectivos meios de treinamento tem suas vantagens e desvantagens. Nesse sentido, a diversificação dos mesmos deve ser valorizada pelo professor na elaboração das tarefas.

Os métodos oriundos do princípio analítico-sintético, os chamados métodos tradicionais, utilizam exercícios de valor absoluto e previsíveis, sendo importantes para o desenvolvimento de habilidades básicas e de intimidade do aluno com a bola. São exemplos desses o método analítico,  o método misto e a série de exercícios. Os meios ou estratégias de ensino oriundos desses métodos são os exercícios (analíticos, sincronizados, combinados, circuito etc). 

Já os métodos oriundos do princípio global-funcional utilizam o jogo ou cursos de jogos, oferecendo problemas imprevisíveis e de valor relativo, estimulando a resolução de problemas e a criatividade (GALATTI, 2007). São alguns exemplos o método global e a série de jogos. Como principal meio/estratégia de ensino desses temos o jogo (jogos reduzidos, jogos condicionados, jogo formal, jogo competitivo etc).

As fases de jogo dizem respeito às fases de ataque, de defesa e mista (ataque e defesa concomitantemente). No voleibol, o jogo pode ser dividido em complexo de jogo I (fase de ataque) e complexo de jogo II (fase de defesa). O complexo de jogo I engloba as ações de recepção, levantamento e ataque. Já o complexo de jogo II consiste nas ações de saque, bloqueio e defesa, seguidas pelo levantamento e ataque. Apesar do saque estar dentro do complexo II, por causa da sequência de ações (sacar e entrar na quadra para defender), atualmente ele é considerado a primeira ação ofensiva da equipe. 

É muito comum treinadores privilegiarem uma fase em relação à outra durante o processo de treinamento, principalmente a fase de ataque, pois ela está diretamente relacionada à conquista do ponto. Contudo, é necessário contemplar todas as fases de jogo ao longo do processo de treinamento para que os alunos aprendam a gerir os momentos do jogo e as transições ofensivas e defensivas.

As situações de jogo representam o número de jogadores e os papéis que eles possuem em uma tarefa concreta (relação de oposição [x] ou cooperação [+]: 1x0, 1x1, 1x1+1, 2x0, 2x1, 2x2 etc). Por exemplo, uma tarefa de saque x passe/recepção pode ser descrita como uma situação de jogo 1x1, 1x2, 1x3 etc.  Por sua vez, uma tarefa de saque x passe/recepção + levantamento pode ser descrita como uma situação de jogo 1x1+1, 1x2+1, 1x3+1 etc. Como podemos ver, elas podem ser de igualdade, superioridade ou inferioridade numérica. 

Quanto maior o número de jogadores e de relações de oposição e cooperação, mais complexa é a tarefa. Nesse sentido, deve-se oferecer, ao longo das etapas de formação e/ou durante uma temporada esportiva, situações de jogo diferenciadas aos alunos, visando uma progressão adequada das tarefas e a facilitação da aprendizagem (DALLEGRAVE, 2018). Na iniciação ao voleibol, pode-se priorizar tarefas mais simples por meio de situações de jogo 1x0, 1+1, 1x1, 2x0, 2x1, 2x2 etc enquanto que nas etapas mais avançadas, situações de jogo mais complexas como 1x3, 1x4, 1x5, 1x1+1, 1x2+1, 1x3+1, 3x3, 4x4 e 6x6 podem ser priorizadas. De modo semelhante, durante uma temporada esportiva pode-se começar com situações de jogo menos complexas e avançar para situações de jogo mais complexas conforme se aproximam os períodos competitivos.

Os tipos de conteúdo podem ser descritos em gestos técnico-táticos (ações técnicas individuais e grupais) e condutas tático-técnicas (ações táticas individuais e grupais). No voleibol, os gestos técnico-táticos são os chamados fundamentos técnicos: saque por baixo, toque, manchete, saque por cima, cortada, bloqueio, defesa etc. Já as condutas tático-tecnicas estão relacionadas aos fundamentos e ações de jogo do voleibol: saque, passe/recepção, levantamento, ataque, bloqueio e defesa. 

Todas as variáveis pedagógicas se relacionam entre si durante o processo de planejamento e elaboração das tarefas do treino. Um exemplo é a relação entre as fases do jogo e as situações de jogo. Quando se pretende trabalhar a fase de ataque, pode-se utilizar diversas situações de jogo, desde o 1x0 com o intuito de desenvolver gestos técnico-táticos como o movimento da cortada, até situações de jogo mais complexas como o 1x2+4 (ataque x bloqueio + defesa) com o intuito de trabalhar condutas tático-técnicas, no caso, o ataque se opondo ao bloqueio duplo e a defesa adversária. Se a pretensão é trabalhar a fase mista (ataque e defesa simultaneamente), situações de jogo com igualdade numérica como o 1x1, 2x2, 3x3, 4x4 ou 6x6 podem ser utilizadas.

Por fim, conhecer as variáveis pedagógicas, suas relações e saber manipulá-las pode contribuir para a avaliação e elaboração de tarefas efetivas que contribuam para o processo de estruturação do treinamento técnico-tático

Até uma próxima!

REFERÊNCIAS

DALLEGRAVE, Eduardo José, FOLLE, Alexandra  OLIVEIRA, Vinícius Plentz, NASCIMENTO, Juarez Vieira. Estrutura das tarefas de treinamento em modalidades esportivas coletivas: análise da produção científica. Movimento, Porto Alegre, v. 24, n. 3, p. 827-842, jul./set. de 2018.

GALATTI,  Larissa Rafaela, PAES, Roberto Rodrigues. Pedagogia do esporte e a aplicação das teorias acerca dos jogos esportivos coletivos em escolas de esportes: o caso de um clube privado de Campinas - SP. Conexões: revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 5, n. 2, p. 31-44, jul./dez. 2007.

O que ensinar no voleibol?

Certamente, outra pergunta frequente que os professores, treinadores e técnicos de voleibol se fazem quando iniciam a profissão é: o que ensinar?

Segundo Parejo González et al (2014), os professores tendem a escolher e priorizar certos tipos de conteúdo de acordo com suas experiências anteriores como atleta e/ou professor/treinador, nível de formação inicial, categoria esportiva que se trabalha, etc. Nesse sentido, a escolha dos conteúdos pode ser considerada um processo complexo e dinâmico que está em constante mudança. No contexto do voleibol, geralmente, os chamados fundamentos técnicos (toque, manchete, saque por baixo, saque por cima, cortada, bloqueio e defesa) são considerados os principais conteúdos de ensino. Nessa perspectiva, o ensino tem como premissa desenvolver essas habilidades para que o aluno possa jogar voleibol. Contudo, Garganta (1995), em seu estudo sobre o ensino dos jogos esportivos coletivos (JECs), têm sinalizado a necessidade de se aliar o ensino da tática (as razões de se fazer) com o da técnica (como fazer).  

Pensar os conteúdos de ensino pressupõe conhecer a lógica do jogo que se ensina. Segunda Bayer ( 1994), a lógica do jogo emana da interação entre suas referências estruturais e funcionais. As referências estruturais estão relacionadas às características comuns ou invariantes dos jogos esportivos coletivos como o espaço, bola, alvos a se atacar e defender, companheiros, adversários e regras, enquanto que as referências funcionais, derivadas dos anteriores, estão relacionadas aos princípios operacionais (de ataque e defesa) e às regras de ação (formas e maneiras de agir nas diferentes modalidades esportivas para cumprir com os princípios operacionais). Os princípios operacionais elencados por Bayer para os JECs de invasão são: conservar a posse da bola, progredir com a bola em direção ao alvo adversário e atacar o alvo (ataque); recuperar a posse da bola, impedir a progressão da bola e do adversário e proteger o alvo (defesa). 

O voleibol, diferentemente dos JECs de invasão, possui algumas particularidades relacionadas aos seus elementos estruturais e funcionais: o espaço é dividido por uma rede, o alvo é a própria quadra e as regras estabelecem um número limitado de contatos com a bola, além da impossibilidade de reter ela para si e de invadir a quadra adversária. Essas regras fazem com que os jogadores tenham que realizar contatos breves com a bola e construir as ações de jogo de forma alternada sem a interferência direta do adversário. Nesse sentido, os seus princípios operacionais (ou princípios táticos) podem ser descritos em: 

- manter o rally (princípio básico)
marcar o ponto (ataque)
- impedir o ponto (defesa)

A partir desses princípios, nós podemos pensar em regras de ação específicas do voleibol como: colocar a bola em jogo (saque), construir o ataque com os três toques (recepção/defesa, levantamento e ataque), bloquear o ataque, defender o espaço etc. Pensar os conteúdos de aprendizagem a partir das referências estruturais e funcionais dos JECs possibilita a superação da concepção tradicional de ensino pautada apenas no gesto técnico. Nesse sentido, Daolio (2002) propõe um modelo pendular, no qual o processo de aprendizagem deve iniciar pelos princípios operacionais comuns aos JECs, passar pelas regras de ação da modalidade esportiva, até chegar ao desenvolvimento dos gestos técnicos específicos. Em um processo de ensino do voleibol pode-se começar pelo ensino dos princípios operacionais, avançar para as regras de ação da modalidade (saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio, defesa e contra ataque) até chegar ao ensino dos gestos técnicos específicos (toque, manchete, saque por baixo, cortada etc).

Outro detalhe importante sobre essa questão é a necessidade de se considerar as outras dimensões dos conteúdos no processo de ensino (BARROSO & DARIDO, 2010). A Educação Física, pelo seu histórico, tem privilegiado a dimensão procedimental do conteúdo (o que fazer), deixando de lado as dimensões conceitual (o que saber) e atitudinal (como ser). Um exemplo disso é a excessiva preocupação com o ensino de aspectos técnico-táticos do voleibol (habilidades técnicas, táticas, estratégias, sistemas de jogo, etc) e a negligência para com os aspectos atitudinais (princípios, comportamentos, valores, fair play etc) e conceituais (conhecimentos sobre a modalidade, curiosidades, relações com a mídia, cultura esportiva etc). Por isso, é necessário avançar no processo de superação da concepção tradicional de ensino e dar mais visibilidade a essas outras dimensões, contribuindo para um formação esportiva mais humana e completa.

Até uma próxima!


REFERÊNCIAS

BARROSO, André Luís Rugiero. DARIDO, Suraya Cristina. Voleibol escolar: uma proposta de ensino nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal do conteúdo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 24, 179-194, 2010.


BAYER, C. O ensino dos desportos colectivos. Dinalivro, Lisboa, 1994.

GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos colectivos. In: A. Graça & J. Oliveira (Eds.). O ensino dos jogos desportivos. 2ed. Porto, Universidade do Porto, 1995.

PAREJO GONZÁLEZ, I. et al. Análisis de las diferencias en la priorización de contenidos de entrenamiento en baloncesto formativo en función de las características del entrenador. Un estudio de casos. Revista Española de Educación Física y Deportes, 407, 21-35, 2014.

sábado, 12 de setembro de 2020

Por que ensinar voleibol?

Uma das primeiras perguntas que eu me fiz quando comecei a dar aulas de vôlei foi: "Por que ensinar voleibol?". Quando nós fazemos essa pergunta nós estamos refletindo sobre os motivos, propósitos, objetivos e finalidades  de ensino, aspectos fundamentais para o desenvolvimento de qualquer pedagogia, independentemente da modalidade esportiva. 

Para responder mais a fundo esta questão, quero compartilhar com vocês minha história no voleibol e os motivos que me levaram a praticar essa modalidade. Eu comecei a praticar voleibol na escola com 11 anos de idade por meio de um amigo meu. Era uma escola particular de médio porte e a turma era pequena (cerca de 10 alunos), mista, a maioria eram meus colegas de classe. Além do vôlei, eu também praticava futsal e basquetebol na escola (5 dias na semana!). A lembrança mais marcante das aulas de voleibol era o fato de encontrar meus amigos para jogar. Nós queríamos jogar! O jogo era atrativo, dinâmico, desafiador, prazeroso. O voleibol nos conquistou de tal forma que nós continuamos a praticar até os 15 anos de idade e só paramos quando nosso professor saiu da escola e as aulas de vôlei acabaram. Nós nunca chegamos a competir em campeonatos como os jogos escolares, apenas me recordo de dois amistosos que fizemos com outra sede do colégio. Apesar disso, eu carrego o voleibol na minha vida, seja na vida pessoal, profissional ou no lazer. Enfim, o que eu quero destacar com a minha breve trajetória são os motivos, desejos e interesses dos alunos na prática esportiva. Os motivos e as finalidades dos alunos em relação à prática de um determinado esporte são diversos e devem ser levados em consideração ao se estabelecer os propósitos de ensino da modalidade. É muito comum o professor não considerá-los e colocar suas expectativas de técnico/treinador sobre eles, gerando uma cobrança excessiva sobre os alunos e o abandono precoce do esporte. 

Mas então, o professor deve deixar de lado suas expectativas e atender apenas os interesses dos alunos? Lógicamente não. O professor tem seus próprios interesses, geralmente oriundos das experiências pessoais e profissionais com a modalidade esportiva, que devem ser considerados no processo. Os interesses dos professores podem ser os mais diversos possíveis: ganhar campeonatos, conquistar títulos, promover atletas, promover-se, mas também, contribuir para a formação humana, desenvolver valores, promover a prática esportiva, a modalidade, a saúde, a qualidade de vida etc. Longe de estabelecer um juízo de valor, todos os interesses citados anteriormente são legítimos, contanto que eles não sejam contrários à filosofia do professor/treinador e aos interesses dos alunos. Nesse sentido, é necessário encontrar um equilíbrio entre as expectativas do professor/treinador e os interesses dos alunos em relação à pratica esportiva.

Um terceiro elemento a ser considerado é a natureza da instituição que oferta a prática do esporte. O voleibol é uma modalidade com  grande expressividade no cenário esportivo brasileiro e mundial e é praticado por diferentes tipos de pessoas em vários contextos: escolas, clubes, projetos sociais, ONGs etc. Essas instituições e grupos tem estruturas, finalidades, expectativas, metas e objetivos distintos. Na escola, por exemplo, a prática esportiva pode ter como objetivo a formação de equipes para representar a instituição em competições ou simplesmente ser um meio de apropriação do fenômeno esportivo nas aulas de educação física e/ou escolinhas de esportes. Em clubes, os objetivos geralmente estão relacionados à formação de atletas e à conquista de títulos. Em projetos sociais e ONGs, os objetivos estão relacionados ao acesso à prática esportiva, ao desenvolvimento humano, ao lazer, à qualidade de vida, entre outros. É muito comum encontrarmos finalidades de ensino que destoam de seus cenários de prática, como se a prática esportiva fosse homogênea em todos os lugares. Contudo, o fenômeno esportivo, nos últimos anos, tem se mostrado cada vez mais heterogêneo, plural e multifacetado. Por isso, compreender esses cenários, seus personagens, significados e finalidades é fundamental para estabelecer objetivos adequados.

Concluindo, os interesses dos alunos, as expectativas do professor e as características e finalidades da instituição que oferta a prática esportiva são alguns elementos que devem ser considerados ao se estabelecer os motivos, propósitos, finalidades e objetivos de ensino de uma determinada modalidade esportiva, neste caso, do voleibol. 

Espero que esse post tenha esclarecido alguns pontos importantes relacionados a essa questão e contribuído para que você possa refletir sobre ela e encontrar uma resposta condizente com a sua realidade. 

Até uma próxima!

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O processo de aprendizagem do voleibol

O voleibol é considerado uma modalidade esportiva de aprendizagem complexa. Segundo Mesquita (1996), algumas das exigências impostas aos jogadores durante o jogo são: o olhar dirigido para cima, os contatos breves com a bola, a precisão técnica no contato com a bola para evitar o erro, o condicionamento das ações devido ao número limitado de contatos por equipe, a rapidez de análise e decisão, a movimentação condicionada nos planos frontal e lateral e a diferenciação de funções devido à rotação dos jogadores. Essas exigências imprimem uma série de dificuldades ao longo do processo de aprendizagem do voleibol. Vamos identificar algumas delas.

A primeira dificuldade encontrada no início do processo de aprendizagem do voleibol é manter a bola em jogo (rally). No voleibol, diferentemente dos esportes coletivos de invasão, não é possível reter a bola para si, o que dificulta a leitura do jogo e o controle da bola no ar. Aliado a isso, o sistema de pontuação é por rally. Isso significa que qualquer erro de um jogador ou da equipe confere o ponto ao adversário e interrompe o rally, gerando uma quebra frequente do fluxo de jogo. Essa quebra é altamente desmotivante e por isso deve ser minimizada no início do processo de aprendizagem para que os alunos possam apreciar o jogo e ter êxito. Em outras palavras, quanto mais tempo a bola ficar no ar, melhor. Para isso, o professor pode lançar mão de estratégias como a diminuição do tamanho da quadra, da rede, da bola, do número de jogadores e permitir que os alunos segurem a bola nos diferentes momentos do jogo até que eles desenvolvam os gestos técnicos do toque e da manchete e consigam controlar a bola no ar sem precisar segurá-la. É importante esclarecer que o erro deve ser minimizado e não extinto do processo. Errar faz parte da aprendizagem. Nesse sentido, cabe ao professor optar por estratégias condizentes com sua realidade e adequar as tarefas conforme as potencialidades e necessidades de seus alunos.

Uma segunda dificuldade encontrada durante o processo está relacionada ao fato das habilidades do voleibol serem consideradas não naturais ou construídas. A maioria delas é executada fora do plano familiar de manipulação dos objetos (planos baixo e alto) e exigem a adoção de posturas básicas fundamentais e movimentações específicas, o que as caracteriza como habilidades seriadas e complexas. Nesse sentido, é necessário um longo processo de aprendizagem para cada uma delas. Além disso, o voleibol é uma modalidade com habilidades motoras predominantemente abertas, ou seja, o ambiente está em constante mudança, fazendo com que os jogadores tenham que adaptar ou ajustar os movimentos e/ou respostas para atingir seus objetivos. Os jogadores precisam perceber as informações relevantes do ambiente, tomar decisões de forma rápida, servindo apenas do tempo em que a bola se encontra no ar, escolher a habilidade a ser utilizada para resolver o problema e executá-la proeficientemente. Nesse sentido, além do desenvolvimento dos aspectos técnicos (eficiência e eficácia), é imprescindível desenvolver os aspectos relacionados à tática (ajustamento e tomada de decisão) para um bom desempenho no jogo.

Outra dificuldade do processo de aprendizagem é a necessidade de organizar e gerir o espaço de jogo, juntamente com os companheiros de equipe, identificando as responsabilidades e funções em quadra conforme as posições. É comum alunos iniciantes adotarem uma postura estática em quadra e não irem ao encontro da bola (jogo estático), ou até mesmo, buscarem intempestivamente a bola (jogo anárquico) sem nenhum tipo de relação no espaço. Nesse sentido, o posicionamento em quadra, a identificação das zonas de responsabilidade e de conflito e as ações sem bola são aspectos fundamentais que precisam ser trabalhados desde o início do processo para que os alunos desenvolvam uma boa relação no espaço e tenham qualidade nas ações.

Para superar todas essas dificuldades, o professor/treinador deve elaborar estratégias para facilitar e otimizar a aprendizagem. Nesse sentido, as tarefas propostas nas aulas devem ser representativas em relação ao jogo e ajustadas ao nível do aluno, possibilitando o desenvolvimento adequado dos aspectos técnico-táticos do voleibol ao longo do processo. 

Referências

MESQUITA, I. O ensino do voleibol; uma proposta metodológica. In: GRAÇA, A.; OLIVEIRA, J. (Org.). O ensino dos jogos desportivos coletivos. Porto: FCDEF-UP, 1996. p.157-203.

O Jogo de Voleibol

Você saberia caracterizar o jogo de voleibol? 

Certamente, essa não é uma pergunta fácil de responder, porém é de suma importância refletirmos sobre ela. A nossa concepção sobre o jogo influencia o modo como aprendemos, ensinamos, conversamos e praticamos voleibol.

O voleibol pode ser caracterizado como um esporte coletivo de não-invasão, no qual duas equipes, separadas por uma rede divisória na quadra, buscam enviar a bola sobre a rede para o solo da quadra adversária com a finalidade de obter o ponto e impedir que a bola caia na sua própria quadra (COLLET et al, 2007). Ele pode ser classificado também como um esporte de rede/parede que tem como lógica interna comum: rebater a bola/implemento para os espaços da quadra adversária de forma a marcar o ponto ou dificultar a devolução da mesma pelo adversário (GINCIENE & IMPOLCETTO, 2019; GONZALEZ et al, 2014). 

Em relação às regras, não é permitida a retenção da bola, o que faz com que os jogadores realizem contatos breves com ela (rebater/volear), limitados a três toques por equipe, de forma alternada entre os jogadores, sem a interferência direta do adversário. O único momento do jogo em que é permitido a "posse" da bola é o saque. No momento da realização do saque, as equipes devem respeitar o rodízio e as posições relativas em quadra. O jogo possui um sistema de pontuação limite no qual os jogadores devem conquistar os pontos para ganhar os sets e a partida, sendo que qualquer erro cometido por um jogador ou pela equipe é convertido em um ponto para o adversário.

Uma característica que diferencia o voleibol de outros esportes de rede/parede é a possibilidade de passar a bola aos companheiros de equipe antes de enviá-la à quadra adversária. Nesse sentido, ele possui interações de cooperação e oposição (GONZÁLEZ, 2004). As equipes buscam construir o ataque com os três toques e enviar a bola aos espaços da quadra adversária, enquanto que na defesa, elas buscam ocupar os espaços e impedir que a bola caia na própria quadra. 

Outra característica importante do voleibol é a sua natureza sequencial e cíclica. O jogo é caracterizado por um encadeamento de ações: após o saque de uma equipe, ocorre a recepção, o levantamento, o ataque, o bloqueio, a defesa, o contra ataque, uma nova defesa, um novo contra ataque, e assim por diante, até que alguma equipe conquiste o ponto ou cometa algum erro. Percebe-se que esse encadeamento evidencia uma interdependência de ações, ou seja, uma ação influencia outra. Nesse sentido, Souza (1996) define os momentos que compõem o jogo de voleibol em: ataque inicial (saque), ataque construído (recepção, levantamento e ataque), defesa (bloqueio e defesa) e contra ataque construído (levantamento e ataque). 

A partir dessas considerações iniciais é possível ter uma noção sobre as características do jogo de voleibol. Tenho certeza que compreender bem essas características vai te ajudar a se apropriar cada vez mais desse esporte instigante. Até uma próxima! 

REFERÊNCIAS

COLLET, Carine; NASCIMENTO, Juarez Vieira do; RAMOS, Marcel Henrique Kodama Pertille; DONEGÁ, André Luiz. Processo de ensino-aprendizagem-treinamento no voleibol infantil masculino em Sana Catarina. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 18, n. 2, p. 147-159, 2. sem. 2007.

GONZÁLEZ, Fernando Jaime. Sistema de classificação de esportes com base nos critérios : cooperação , interação com o adversário , ambiente , desempenho comparado e objetivos táticos da ação. Revista digital - Buenos Aires, v. 71, p. 6-9, 2004.

GONZÁLEZ, Fernando Jaime; DARIDO, Suraya Cristina; OLIVEIRA, Amauri Aparecido Bássoli de. Esportes de marca e com rede divisória ou muro/parede de rebote: badminton, peteca, tênis de campo, tênis de mesa, voleibol, atletismo. Maringá: Eduem, 2014.

GINCIENE, Guy. IMPOLCETTO, Fernanda M. Primeiras aproximações para uma proposta de ensino dos jogos de rede/parede: reflexões sobre o tênis de campo e o voleibol. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 2019;27(2): 121-132.

SOUZA, Adriano José de. Ensinando e desenvolvendo o esporte na escola: o caso do voleibol. Universidade Estadual de Campinas, 1996.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Bem vindo(a)!

Olá! Meu nome é André Guths Kugler e sou formado em Licenciatura e Bacharelado em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

Este blog tem como objetivo ser um espaço de discussão e reflexão sobre o voleibol, contribuindo para o desenvolvimento da modalidade no Brasil. Ele é destinado a professores, alunos, pais, treinadores, atletas, dirigentes esportivos, gestores, espectadores, simpatizantes da modalidade, pesquisadores, e todos os envolvidos diretamente ou indiretamente com o voleibol. 

Aqui você vai encontrar postagens diversas sobre minhas experiências como professor e treinador de voleibol, além de conteúdos científicos sobre essa modalidade esportiva instigante, desafiadora e fascinante!

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Aproveite e boa leitura!